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Por Pierpaolo Cruz Bottini – 23/08/2016

O prazo final para a declaração de bens no exterior com anistia penal se aproxima. Até 31 de outubro, os residentes no Brasil podem comunicar à Receita Federal a titularidade de ativos fora do país, pagar multas e tributos, e afastar o temor de ações penais por evasão de divisas, lavagem de dinheiro, crimes fiscais e falsidades a eles relacionadas.

Um dos temas mais controversos sobre o programa de anistia é: o que declarar? Há quem diga que basta indicar bens existentes em dezembro de 2014. Outros sugerem um retorno ao passado, com a declaração de receitas, gastos e todas as movimentações financeiras. Por fim, há quem profetize a mudança da lei, na esperança de um novo texto que ponha fim à confusão. A polêmica segue, com estudos, artigos, palestras e discussões acirradas.

Porém, o tempo passa, o prazo final da declaração se aproxima. É hora de buscar a interpretação mais segura da lei, para que o contribuinte ao menos saiba qual critério oferece o menor risco de problemas fiscais ou criminais no futuro.

Em uma primeira leitura, a Lei 13.254/16 indica que devem ser informados ao fisco os ativos existentes em 31 de dezembro de 2014 e nada mais. Somente o contribuinte com saldo zero ou inexistente nessa data deveria declarar bens pretéritos.

Porém, a Receita Federal, em diversas oportunidades, deu interpretação mais extensa ao texto legal. Para o órgão, devem ser declarados todos os bens que o contribuinte tinha em 31 de dezembro de 2014, mais aqueles que possuía anteriormente e gastou, transferiu ou doou, voltando no tempo até a decadência fiscal ou a prescrição do crime de evasão de divisas ou de lavagem de dinheiro 12 ou 16 anos, conforme o caso.

Em outras palavras, o poder público não se contenta com a declaração da mera foto, da situação patrimonial em 31 de dezembro de 2014. Quer uma exposição do filme, da evolução ou involução patrimonial ao longo do tempo, com a
incidência do imposto e da multa sobre a soma dos rendimentos atuais e anteriores, já gastos ou repassados a terceiros.

O presente artigo não busca discutir o mérito dessa interpretação, se correta ou incorreta, justa ou injusta, mas apenas apontar que este é o ponto de vista do governo, e o contribuinte que busca segurança completa, absoluta e livre de riscos, deve se pautar por essas diretrizes.

Nesse caso, a declaração deve seguir três etapas.

Na primeira, o contribuinte deve elencar os ativos que possui em 31 de dezembro de 2014 e declará-los
como existentes no formulário específico.

Na segunda, marca-se o período de decadência tributária em regra cinco anos dentro do qual o contribuinte deve somar todos os gastos, transferências e doações de recursos efetuados e declará-los como bens consumidos, na tela “ausência de saldo ou de titularidade em 31 de dezembro de 2014”. Em outras palavras, tudo aquilo que foi consumido nesse período também integra o cálculo do imposto e da multa.

Na terceira, o contribuinte deve levantar informações sobre os saldos que tinha em 31 de dezembro de todos os anos, até a data da prescrição penal do delito de evasão de divisas (12 anos) ou de lavagem de dinheiro (16 anos), a depender do caso concreto. Por exemplo, em um caso simples de evasão de divisas, no qual o contribuinte tenha uma conta de pessoa física no exterior, deve-se buscar os saldos existentes em cada “virada de ano” desde 2004, caso tais informações existam. Caso contrário, o cálculo será feito até o ano com dados disponíveis.

Pois bem, se o saldo na virada de algum destes anos for superior à soma dos valores obtidos na primeira e na segunda etapa (saldo de 31 de dezembro de 2014 e bens gastos nos últimos cinco anos), este deve prevalecer e ser declarado. O valor do imposto e da multa será calculado sobre essa quantia. Caso não exista ano algum com valores superiores em 31 de dezembro, esta terceira etapa deve ser desconsiderada.

A lógica das operações sugeridas é simples. Os bens existentes em 31 de dezembro de 2014 devem ser declarados por
previsão legal expressa (primeira etapa). Os valores gastos no passado, dentro do período de decadência tributária devem ser declarados porque foram sonegados. Ainda que não existam mais, eles não foram declarados e sobre eles não foram pagos impostos no momento devido portanto, o contribuinte cometeu crime fiscal.

Os bens adquiridos e gastos antes desse período de decadência tributária não precisam ser declarados. Ainda que sua
sonegação também seja ilícita, sobre tais valores não pode ser constituído o crédito tributário, portanto, não haverá crime fiscal. Aqui o contribuinte não precisa de anistia.

No entanto, ainda que afastado o crime fiscal, o contribuinte pode ser processado por evasão de divisas nesse período anterior. São crimes diferentes. A evasão de divisas se caracteriza pela não declaração de depósitos no exterior, identificados pelo saldo existente em 31 de dezembro de cada ano. Por isso a sugestão de identificar os saldos nessa data, voltando até o prazo de prescrição penal (12 ou 16 anos). Nesse ultimo período, não importa o que o contribuinte recebeu e consumiu durante o ano, apenas os depósitos existentes na “virada do ano”, por isso a conta é menos elaborada.

A declaração dessa forma evita, com segurança, qualquer investigação ou ação penal posterior, desde que os bens tenham origem lícita. Isso não significa que o subscritor concorde com as diretrizes ou com interpretação tão extensa da lei, mas apenas que sugere precaução na declaração para aqueles que não tenham vocação para o risco.

Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor livre docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Email: pierpaolo@btadvogados.com.br

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