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Por Pierpaolo Cruz Bottini e Thiago Wender Ferreira

Criminalizar o consumo de drogas está na pauta do STF (Supremo Tribunal Federal). Esta semana, a Corte deve julgar um recurso extraordinário e decidir se o delito previsto no artigo 28 da Lei de Drogas é compatível com a Constituição. A análise da questão teve início em 2015 e foi interrompido após pedido de vista do ministro Teori Zavascki, em setembro daquele ano. Após a morte do ministro em 2017, seu sucessor, o ministro Alexandre de Moraes, liberou voto-vista em 2018. Desde então o processo está na fila para entrar em pauta de julgamento.

O argumento central da inconstitucionalidade do dispositivo é sua incompatibilidade com os princípios da dignidade da pessoa humana e a pluralidade (CF, artigo 1º, III e V). Uma vez que o sistema jurídico está todo assentado sobre a ideia de que o ser humano é digno, portanto, livre para construir seu mundo de vida, com as suas escolhas, desde que elas não interfiram na dignidade de terceiros, não cabe ao direito penal castigar tais opções, mesmo que elas sejam lesivas ou prejudiciais.

A norma penal não pode castigar a tentativa de suicídio, de automutilação, a greve de fome, o masoquismo, ou qualquer outra conduta que coloque em risco apenas o titular dos bens jurídicos afetados, e mais ninguém. Cada um tem a liberdade de determinar-se de acordo com suas vontades e princípios. Essa é a ideia do pluralismo previsto na Carta Magna.

Importante destacar: não se discute a legalidade das drogas, as políticas de prevenção, ou o tráfico. A discussão no STF é absolutamente limitada: debate-se apenas se o uso deve ou não ser criminalizado. Deferir o recurso significa afastar a sanção penal do usuário, seu registro na ficha de antecedentes, sua estigmatização. As drogas podem até seguir proibidas, será possível ainda sua apreensão, seu recolhimento, mas o usuário não será objeto de castigo criminal.

O argumento de que punir o usuário é importante para impedir o tráfico é inconsistente. Vale lembrar que nos casos de uso problemático do entorpecente, o usuário é a vítima, é quem sofre os efeitos do comércio e do consumo. Puni-lo por isso é injusto e incoerente. Afastar o direito penal desse usuário é possibilitar a implementação de políticas de saúde, de acolhimento, de reflexão. O usuário problemático de drogas merece mais do Estado do que a ameaça de sanção penal.

Mas um alerta parece relevante: não basta ao STF apenas afastar do direito penal o uso de drogas. É preciso ir além e definir, com critérios objetivos, os casos de uso e de tráfico de drogas. A falta de uma distinção clara pode levar — como tem levado — à classificação de usuários flagrados com drogas como traficantes, tornando inócuo todo o esforço do Supremo em afastar o direito penal daquele que porta drogas para consumo próprio.

Recentemente, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) publicou a pesquisa intitulada Critérios Objetivos no Processamento Criminal por Tráfico de Drogas: natureza e quantidade de drogas apreendidas nos processos dos tribunais estaduais de justiça comum, com dados que podem contribuir com o presente julgamento.

Em primeiro lugar, o estudo mostra que a cocaína é a droga mais relacionada aos casos de tráfico, sendo que em 70,2% dos processos se trata de quantidades em torno de 24 gramas; a segunda droga mais encontrada é a cannabis, apontada em 67,1% dos processos, com uma mediana de 85 gramas. São quantidades pequenas, que apontam para o simples uso, mas são tratadas como tráfico pelos tribunais.

O estudo do Ipea conclui com um apontamento interessante a esse respeito, sugerindo que se adotado o critério de quantidade de porte de cannabis entre 25 g e 100 g e de cocaína entre 10 g e 15 g para presunção de porte para uso, cerca de até 50% dos processos de tráfico relacionados à maconha e até 40% daqueles relacionados à cocaína poderiam ser presumidos como porte para consumo pessoal.

Levantamento realizado pela Agência Pública, que analisou 4.000 sentenças de primeiro grau para o crime de tráfico de drogas julgados na cidade de São Paulo em 2017, constatou que pessoas negras são condenadas em maior proporção que pessoas brancas, 71% contra 67%; e que apesar do percentual de absolvição ser similar, 11% para negros e 10,8% para brancos, a desclassificação para posse de drogas para consumo pessoal favorece mais os brancos que os negros, numa diferença que a chega a 50% em favor dos brancos.

A ausência de critérios objetivos para definir o que é uso e o que é tráfico leva ao uso de elementos subjetivos, carregados de preconceitos, como a cor da pessoalocal de moradiavestimenta e outros distintivos sociais de classe e raça. Diante do quadro, não parece absurdo afirmar que a desigualdade social, a pobreza e o racismo, acabam sentenciando usuários como traficantes de drogas.

Por isso, caso a Suprema Corte reconheça a inconstitucionalidade da criminalização do uso de drogas, deve definir parâmetros para distinguir tal conduta do tráfico, sob pena de jogar ao vento todo o esforço, de ver morrer na praia uma reflexão de tamanha importância. É uma oportunidade de enfrentar a desigualdade e o encarceramento em massa de forma racional e civilizada.

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