Skip to main content

Por Pierpaolo Cruz Bottini

São 37 mil mortes e 180 mil pessoas internadas por ano por acidentes de trânsito. Estes índices fazem do tema uma
importante pauta para qualquer discussão sobre segurança pública no Brasil. Sendo assim, é absolutamente legítimo o debate sobre alterações legislativas neste campo, em especial aquelas que se referem ao motorista embriagado.

O atual Código de Trânsito criminaliza o ato de “conduzir veiculo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue superior a seis decigramas”. A redação é bastante objetiva, mas limitada: o motorista será condenado somente se provada a existência daquela quantidade de álcool em seu sangue, ou superior. E as únicas formas de fazê-lo são pelo bafômetro ou por exame de sangue, que não podem ser efetuados sem o consentimento do próprio investigado, vez que nosso sistema constitucional veda impor a qualquer cidadão que produza prova contra si mesmo.

Assim, se não houver colaboração voluntária do motorista, o processo estará fadado ao fracasso, pois um dos elementos do tipo penal – a quantidade de álcool no sangue – não poderá ser demonstrado. Importante lembrar que a constatação visual de embriaguez não é capaz de revelar a quantidade de bebida ingerida.

Para superar o problema, há quem sugira a previsão de sanções administrativas e até penais para aquele que se recusar ao bafômetro, como multa, apreensão do veiculo, ou mesmo prisão por desobediência. Mas parece no mínimo incoerente reconhecer a alguém o direito de não produzir prova contra si, e, ao mesmo tempo, penalizá-lo pelo exercício deste direito. Seria o mesmo que garantir ao réu o direito ao silêncio no interrogatório e aplicar-lhe uma multa caso faça uso concreto de tal direito. Em outras palavras, a proposta visa, por via transversa, suprimir a garantia constitucional.

Tal constatação não implica o conformismo, deixando as coisas como estão. Parece necessária uma alteração legislativa que torne mais racional a norma penal. Uma idéia seria suprimir do tipo penal a menção à quantidade de álcool no sangue, fazendo apenas menção à “dirigir embriagado”, redação próxima do antigo texto da lei, valendo destacar que embriagado não significa qualquer consumo de álcool, mas a ingestão de bebida a ponto de retirar os reflexos necessários à direção. Tal fato poderia ser constatado visualmente, sem a necessidade de bafômetro ou de exames de sangue.

Em suma, não se criminalizariam condutas como beber pequenas quantidades e dirigir sem aumentar o risco para si próprio ou para os demais, mas apenas o comportamento daquele que se embriagou, que perdeu parte de seus reflexos pela ingestão de álcool. Tal fato poderá ser constatado pela autoridade policial, mas, para que se evitem arbitrariedades, deve ser fundado em testes visuais objetivos e referendado por outras testemunhas presentes no local. Ademais, pode-se prever a necessidade do bafômetro á disposição, caso o motorista decida usá-lo para refutar a alegação de embriaguez. Neste caso, o instrumento pode produzir prova a favor do réu, quando houver constatação visual de indícios de embriaguez no contato, e sempre que o próprio réu decidir usá-lo.

Em suma, não se tratará de um crime de mera conduta, limitado à constatação da ingestão de qualquer nível de álcool, mas de um delito de periculosidade, a exigir a verificação de que aquele comportamento poderia expor a perigo – ainda que abstrato ou hipotético – a vida e a integridade física das pessoas, por colocar em movimento um veiculo sem posse de suas completas faculdades de percepção e reação. Seria um autêntico crime de perigo abstrato-concreto, definido por Schroeder como delito que descreve a conduta proibida e exige expressamente, para a configuração da tipicidade objetiva, a criação de uma periculosidade geral, ou seja, que a ação seja apta ou idônea para lesionar ou colocar em perigo concreto um bem jurídico, ainda que nada ou ninguém tenha sido efetivamente exposto ao risco.

Com isso, e com o incremento da fiscalização e de sanções administrativas mais eficientes – como a efetiva apreensão do veiculo por largo período – é possível a implementação de uma política de prevenção de acidentes e repressão de imprudências que não abdique do direito penal, mas também não o transforme em instrumento banal, aplicado na mesma intensidade para todo e qualquer motorista, independente do perigo ou do risco criado.

Descriminalização da maconha facilita acesso a tratamento para dependentes, diz advogado

O advogado criminalista e professor de direito penal da USP, Pierpaolo Cruz Bottini, afirmou em entrevista […]

LEIA MAIS

Brasil tem 72 facções criminosas e falta braços para ‘seguir o dinheiro’

Estudo divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que o Coaf não consegue analisar […]

LEIA MAIS

Pierpaolo Bottini: ‘O viés racial e social faz com que a Lei de Drogas seja aplicada de maneira desproporcional, principalmente, para os mais pobres’

O Supremo Tribunal Federal definiu nesta quarta-feira (26) que pessoas flagradas com até 40 gramas […]

LEIA MAIS

Crime organizado avança em áreas lícitas e empresários sugerem cinco ações ao governo Lula

Atuação de facções já passa por pelo menos 21 atividades no País, incluindo setores como […]

LEIA MAIS

Moraes arquiva inquérito contra Google e Telegram por ação contra PL das Fake News

Encerramento da apuração iniciada em 2023 se deu depois de pedido da PGR BRASÍLIA O […]

LEIA MAIS

Análise: STF julga descriminalização do porte de maconha

Em participação no WW, da CNN Brasil, o advogado e professor de Direito Penal da […]

LEIA MAIS

PL da delação não deve beneficiar Bolsonaro, mas provavelmente irá ao STF

O projeto de lei que está em andamento na Câmara e proíbe delações premiadas de […]

LEIA MAIS

Grupo de Estudos Avançados (GEA) em direito Pena Econômico

Na próxima terça-feira (18), o advogado e professor da faculdade de direito da USP, Pierpaolo […]

LEIA MAIS

Seminário Internacional sobre Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia

Nos dias 6 e 7 de junho acontece o Seminário Internacional sobre Segurança Pública, Direitos […]

LEIA MAIS

Justiça eleitoral anula ação penal contra deputado Eduardo da Fonte

Em decisão na 5ª feira (30.mai), o juiz Raimundo dos Santos Costa diz que o […]

LEIA MAIS

Julgamento da ADI 7.236: a dupla chance de persecução

O julgamento no Supremo Tribunal que discute a constitucionalidade de dispositivos da Lei de Improbidade […]

LEIA MAIS

Pierpaolo Cruz Bottini: O desafio do crime organizado

Fragmentação de informações é lacuna que dificulta o desenvolvimento de um projeto de segurança efetivo […]

LEIA MAIS

Segurança pública, para além das saidinhas

Combate ao crime organizado exige ir além das pessoas e identificar a peça essencial ao […]

LEIA MAIS

Algumas reflexões sobre o racismo escolar

Não parece justo que a vítima seja obrigada a conviver com tal lembrança viva Pierpaolo […]

LEIA MAIS

TJ/SP mantém condenação de Malafaia por fake news contra Vera Magalhães

Colegiado considerou que direito à liberdade de expressão não é absoluto e que é necessário […]

LEIA MAIS
Caregorias
back