Skip to main content

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 18 de fevereiro de 2015

Você sabe o que acontece com as armas de fogo que são apreendidas pelas polícias no combate ao crime? O Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003, determina que as armas devem ser destruídas após serem periciadas e quando não mais interessarem ao processo penal. A lógica por trás da lei está correta e valoriza a vida: destruir o mais rápido possível artefatos feitos para matar e altamente desejados por criminosos.

Na prática, porém, o processo é mais tortuoso e expõe grandes fragilidades em nossa cadeia de custódia da arma de fogo. Uma vez apreendidas, geralmente pela Polícia Militar, as armas são encaminhadas às delegacias da Polícia Civil e, em seguida, remetidas à perícia nos institutos de criminalística. As armas então retornam à delegacia, de onde são enviadas para os fóruns de Justiça, para que permaneçam vinculadas ao processo criminal correspondente. O Poder Judiciário é, portanto, a última etapa do fluxo, pois, uma vez autorizado pelo juiz, a arma segue para destruição, que é realizada pelo Exército.

Além do longo caminho percorrido pela arma, que a sujeita a constantes desvios, pesquisa do Instituto Sou da Paz em parceria com o Ministério da Justiça sobre esse fluxo em Recife (PE), Campo Grande (MS) e Campinas (SP), que será publicada nos próximos dias, revela que o principal gargalo está no Poder Judiciário, que demora, às vezes décadas, para destinar as armas para destruição.

O resultado disso, revelado pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2011, é que há mais de 750 mil armas (incluindo armas brancas) estocadas nos fóruns do país. As condições precárias de segurança nos fóruns brasileiros são ótima oportunidade para o crime. Não à toa, os casos de roubo e furto são frequentes. Em dezembro de 2014, descobriu-se que uma quadrilha havia desviado mais de 200 armas do Tribunal de Justiça de Alagoas e, meses antes, uma investigação revelou que outras 200 haviam sido furtadas do Fórum da Barra Funda em São Paulo, o maior da América Latina. De acordo com levantamento do gabinete do deputado Paulo Pimenta, entre 2004 e 2011, uma arma foi roubada ou furtada por dia dos fóruns do país.

Trata-se de situação absurda, que coloca a vida de todos em risco e desperdiça o trabalho policial de apreendê-las. Afinal, essas armas desviadas retornam às ruas para serem utilizadas em outros crimes. Num país em que 70% dos homicídios são cometidos com armas de fogo, a custódia delas pelo Poder Judiciário constitui sério problema de segurança pública.

Mas por que o Poder Judiciário não autoriza a destruição das armas? Existe, no Brasil, uma prática por parte dos juízes de manutenção das armas nos fóruns até o julgamento final do processo. Em alguns casos, os juízes alegam que apenas as armas relacionadas a crimes contra a vida são mantidas, pois podem ser utilizadas em segunda perícia ou ainda para serem apresentadas ao júri.

A pesquisa mencionada constatou, no entanto, que a maior parte das armas estocadas não se relaciona a crimes contra a vida. No caso de Campo Grande (MS), por exemplo, 80% das armas acauteladas são oriundas de roubos ou porte ilegal e poderiam, portanto, ser destruídas quase que imediatamente. No ritmo atual, o fórum da cidade levaria 24 anos para esvaziar os estoques de armas. No tocante à argumentação da segunda perícia, a pesquisa verificou que,
em Pernambuco, em apenas 0,65%das armas acauteladas foi solicitado para novo exame.

Em que pesem as raras ocorrências, é essencial resguardar as garantias, tanto da defesa
quanto da acusação, de repetir os exames quando julgarem necessário, especialmente em
casos de crimes contra a vida. Isso seria contemplado, no entanto, com o cumprimento da
Resolução n° 134/2011, do CNJ, que determina a intimação das partes pelo juiz para que
apreciem e se manifestem a respeito do laudo inicial, podendo, então, decidir por exames
adicionais ou pela imediata destruição da arma.

Mudar o cenário atual significa garantir que as armas permaneçam pouco tempo nos fóruns,
sendo destruídas o mais rápido possível, em respeito à lei vigente. Para tanto, os Tribunais de
justiça do país, em parceria com o CNJ, precisam compreender a gravidade desse problema de
segurança pública e cumprir as medidas existentes. Na prática, cada dia de atraso significa
mais armas retornando para a mão do crime.

» PIERPAOLO BOTTINI Advogado e professor de direito penal da Universidade de São Paulo
(USP)

» MARCELLO BAIRD Doutorando em ciência política peta USP e coordenador de projeto do
Instituto Sou da Paz

Descriminalização da maconha facilita acesso a tratamento para dependentes, diz advogado

O advogado criminalista e professor de direito penal da USP, Pierpaolo Cruz Bottini, afirmou em entrevista […]

LEIA MAIS

Brasil tem 72 facções criminosas e falta braços para ‘seguir o dinheiro’

Estudo divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que o Coaf não consegue analisar […]

LEIA MAIS

Pierpaolo Bottini: ‘O viés racial e social faz com que a Lei de Drogas seja aplicada de maneira desproporcional, principalmente, para os mais pobres’

O Supremo Tribunal Federal definiu nesta quarta-feira (26) que pessoas flagradas com até 40 gramas […]

LEIA MAIS

Crime organizado avança em áreas lícitas e empresários sugerem cinco ações ao governo Lula

Atuação de facções já passa por pelo menos 21 atividades no País, incluindo setores como […]

LEIA MAIS

Moraes arquiva inquérito contra Google e Telegram por ação contra PL das Fake News

Encerramento da apuração iniciada em 2023 se deu depois de pedido da PGR BRASÍLIA O […]

LEIA MAIS

Análise: STF julga descriminalização do porte de maconha

Em participação no WW, da CNN Brasil, o advogado e professor de Direito Penal da […]

LEIA MAIS

PL da delação não deve beneficiar Bolsonaro, mas provavelmente irá ao STF

O projeto de lei que está em andamento na Câmara e proíbe delações premiadas de […]

LEIA MAIS

Grupo de Estudos Avançados (GEA) em direito Pena Econômico

Na próxima terça-feira (18), o advogado e professor da faculdade de direito da USP, Pierpaolo […]

LEIA MAIS

Seminário Internacional sobre Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia

Nos dias 6 e 7 de junho acontece o Seminário Internacional sobre Segurança Pública, Direitos […]

LEIA MAIS

Justiça eleitoral anula ação penal contra deputado Eduardo da Fonte

Em decisão na 5ª feira (30.mai), o juiz Raimundo dos Santos Costa diz que o […]

LEIA MAIS

Julgamento da ADI 7.236: a dupla chance de persecução

O julgamento no Supremo Tribunal que discute a constitucionalidade de dispositivos da Lei de Improbidade […]

LEIA MAIS

Pierpaolo Cruz Bottini: O desafio do crime organizado

Fragmentação de informações é lacuna que dificulta o desenvolvimento de um projeto de segurança efetivo […]

LEIA MAIS

Segurança pública, para além das saidinhas

Combate ao crime organizado exige ir além das pessoas e identificar a peça essencial ao […]

LEIA MAIS

Algumas reflexões sobre o racismo escolar

Não parece justo que a vítima seja obrigada a conviver com tal lembrança viva Pierpaolo […]

LEIA MAIS

TJ/SP mantém condenação de Malafaia por fake news contra Vera Magalhães

Colegiado considerou que direito à liberdade de expressão não é absoluto e que é necessário […]

LEIA MAIS
Caregorias
back