É CORRETO ANISTIAR O CONTRIBUINTE PARA REPATRIAR DINHEIRO DO EXTERIOR
É CORRETO ANISTIAR O CONTRIBUINTE
Mais do que correta, a possibilidade de regularizar bens no exterior não declarados é necessária. Há muita polê- mica em torno da proposta, e parte dela vem do desconhecimento de seus termos e de uma equivocada atribuição da proposta ao atual governo. Portanto, alguns mitos merecem ser desfeitos.
Em primeiro lugar, não se trata de um projeto só deste governo. A regularização de capitais não declarados é uma experiência já implementada em países como Estados Unidos, Portugal, Irlanda, Itália, Reino Unido, França e México. Em segundo lugar, vale destacar que pensadores de todos os matizes, como Everardo Maciel, Heleno Torres e Ives Gandra da Silva Martins apoiam a ideia, embora divirjam no que se refere às multas e alíquotas, bem como na forma de previsão legislativa da regularização. Fixadas tais premissas, importa compreender a razão da proposta.
No passado, milhares de brasileiros enviaram dinheiro e abriram contas no exterior, sem comunicar as autoridades nacionais, para proteger seu patrimônio da inflação e da instabilidade econômica que grassava o país. Salários, honorários, enfim, frutos de atividades lícitas, foram deslocados para a Suíça, Uruguai, Panamá, dentre outros.
O problema: tais operações não eram e não são permitidas pela lei brasileira. São consideradas crime. Além do delito fiscal, consistente em omitir informações à Fazenda, caracterizam evasão de divisas, na forma de manter depósitos no exterior não declarados ao Banco Central. A pena para essa última infração é de 2 a 8 anos de prisão, mais multa.
A despeito disso, um sem-número de nacionais possuem contas no exterior não declaradas. Há quem estime que são 100 bilhões de dólares em divisas nacionais que rodam pelo mundo, ariscos à fiscalização.
Cientes da gravidade da situação, muitos querem regularizar seu capital, repatriá-lo, trazê-lo de volta ao Brasil. Concordam em pagar os tributos incidentes e em demonstrar sua origem lícita. Mas não podem porque, ao revelar contas não declaradas, acabam por confessar a prática da evasão de divisas, e, mesmo que recolham os tributos devidos, não estão livres da pena.
Outros, perante esse quadro, optam por sair do Brasil, adquirem cidadania estrangeira, de país onde a evasão de divisas não é crime. Por fim, existem aqueles que desistem de rever tais valores, organizando esquemas para que ao menos seus filhos possam usufruir do dinheiro após suas mortes. Para isso, precisam rezar para que o Brasil não firme acordos de troca de informações fiscais com o país no qual depositaram os recursos.
Diante desse quadro, o Congresso Nacional discute atualmente um projeto de lei que trata da regularização destes bens. Pela pro- posta, aqueles que mantêm valores de origem lícita no exterior, não declarados, teriam a opção de regularizar o capital, declará-lo ao Banco Central e à Receita, desde que pagando os tributos incidentes e uma multa.
Há quem diga que essa anistia seria um prêmio aos criminosos, e regularizaria capitais de traficantes, corruptos e doleiros. Não é verdade. Apenas serão anistiados aqueles que detêm capitais de origem legal. A atividade do doleiro e de outros criminosos continuaria vedada, pois consiste em delito autônomo previsto na lei de crimes financeiros.
Há quem sustente que tal proposta é imoral, pois premia o brasileiro que sonega, que omite, que não é transparente. No entanto, tal proposta em nada difere dos inúmeros projetos de recuperação fiscal (Refis), propostos e aprovados supra- partidariamente.
Em suma, a anistia resolveria o problema de milhares de brasileiros que buscam repatriar seus bens lícitos. Resultaria na atração de ativos para investimentos e ajudaria na organização das contas públicas. Parece uma boa proposta em diversos aspectos e merece ser levada seriamente em consideração pelos poderes constituídos.
O problema fundamental da anistia e dos institutos a ela as- semelhados (remissão, transação etc.) é o seu uso com parcimônia e sabedoria. É lição secular de finanças públicas que, salvo situações excepcionais, ela deve ser evitada. Seus efeitos são danosos, pois para quem paga de modo regular, fica a amarga situação de injustiça; para a autoridade consciente, que recebe o valor diminuído, fica o fundado receio do mau efeito pedagógico de uma “anticidadania” tributária.
No Brasil, nos últimos anos, anistias e assemelhados têm sido, de maneira constante, utilizados por praticamente todos os sujeitos ativos de crédito tributário.
Alegadamente, fazem-no na ânsia de melhorar momentos de fluxo de caixa, sem maior preocupação com o futuro, ou lançam mão de tais práticas em função da suposta necessidade de combater uma constante e já recorrente crise econômica no país. Isso se repete há décadas.
Na verdade, chegou-se ao ponto de não passar um ou dois anos sem que haja um parcelamento excepcional ou a concessão de descontos substanciais para pagamentos à vista ou feitos em curtos prazos; todos abertos frequentemente tanto pelo poder público federal, quanto estadual ou municipal. O programa Re- fis, então, lembra os filmes da série Star Wars ou Rocky, pois já está no quarto ou quinto da sua série.
Esse mau hábito por parte do governo já está a entrar no planejamento de muitos devedores crônicos.
É tão constante e irracional essa sanha, que faz lembrar a conhecida frase: em matéria de tributo, o governo parece um menino crescido que quer comer tudo e rápido.
Agora, volta-se o governo aos supostos capitais no exterior. Irá lançar o progra- ma Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) para quem tenha patrimônio no exterior não declarado.
Não se trata de uma anistia para repatriação de valores, mas para a sua regularização, ou seja, eles não precisam voltar ao Brasil. Pagando uma razoável quantia, o governo promete anistiar alguns crimes como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal etc., desde que a origem do dinheiro seja lícita.
Como controlar essa licitude? Em princípio, por mera declaração do contribuinte. Em troca, o governo acena com não investigar mais a fundo, salvo outros indícios. É uma questão de confiar um no outro. Assim como Dilma Rousseff e Michel Temer.
A memória recente não é boa. Na instituição do então Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) – depois renomeado para Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a promessa era algo semelhante, a de não usar os extratos bancários fornecidos pelas instituições financeiras como evidência de renda oculta para incidência de outros tributos. Depois, o governo mudou de ideia. Retroativamente.
Mas, além disso, diz o governo que assumiu o compromisso de o fazer, dentro de diversos acordos incentivados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como o Automatic Exchange of Financial Information in Tax Matters (AEOI) regulando trocas de informações fiscais sobre contas bancárias, o Base Erosion and Profit Shifting (Beps), e o estadunidense Foreign Account Tax Compliance Act (Facta).
Num futuro breve, em função de todos esses acordos, afirma-se que haverá o Fisco Global. Nesse contexto, a troca de informações entre países irá permitir a ampla fiscalização e taxação de fortunas ocultas, assim recomenda a OCDE que se deva dar uma última chance para as pessoas regularizarem suas fortunas não declaradas.
Como não é necessário repatriar os capitais, é um grande negócio para os países que acolhem tais valores. Para nós, no Brasil, entretanto, fica a dúvida: É mesmo? E por que dar essa chance?
Jornal do Advogado – Ano XLI – nº 412 – DEZ-2015/JAN-2016