AS PRIMEIRAS SÚMULAS VINCULANTES
PIERPAOLO CRUZ BOTTINI
04/06/2007
A súmula vinculante é um instrumento de poder do STF e, como tal, apresenta aspectos positivos e negativos.
NO ÚLTIMO dia 30 de maio, o STF (Supremo Tribunal Federal) expediu as três primeiras súmulas vinculantes. Esse ato marca o inicio de uma nova forma de organização da Justiça brasileira.
Nos últimos anos, o sistema judicial passou por importantes reformas.
Em 2004, foi aprovada a emenda constitucional nº 45, que criou o Conselho Nacional de Justiça, conferiu autonomia às Defensorias Públicas e instituiu uma quarentena para magistrados afastados das funções, entre outras novidades.
No mesmo ano, os presidentes dos três Poderes da República firmaram um pacto por um Judiciário mais rápido e acessível, pelo qual enviaram ao Congresso Nacional duas dezenas de projetos de lei para reformular os processos civil, penal e trabalhista, bem como para concretizar a reforma constitucional. Dessas propostas, dez foram aprovadas em 2006.
Essas transformações tiveram o objetivo de racionalizar a prestação da Justiça e superar a morosidade na solução de conflitos judiciais.
Para isso, foram criados institutos como a súmula impeditiva de recursos, que prevê que as partes em um processo não podem recorrer de uma decisão judicial quando ela estiver de acordo com o entendimento dos tribunais superiores; ou como a exigência de que os recursos enviados para o STF demonstrem a repercussão geral e a relevância dos temas discutidos, sem o que não serão analisados.
É nesse contexto que surge a súmula vinculante. Trata-se da consolidação da interpretação do STF sobre determinada questão jurídica, que, uma vez editada, deve ser seguida e aplicada por todos os juízes e tribunais e pela administração pública.
Para que uma súmula possua efeitos vinculantes, é necessário que seu conteúdo tenha sido objeto de reiterados debates no Supremo e da concordância de dois terços de seus ministros.
A súmula vinculante é um instrumento para uniformizar as decisões judiciais sobre a aplicação de certas normas e evitar a discussão repetitiva de questões já decididas pelo Supremo Tribunal Federal.
Evidentemente, a súmula vinculante é um instrumento de poder do Supremo e, como tal, apresenta aspectos positivos e negativos.
A edição das súmulas tem a vantagem de pôr fim a milhares de processos idênticos que tramitam na Justiça, notadamente aqueles casos em que as partes utilizam a morosidade do Judiciário para postergar o cumprimento de obrigações cuja existência foi confirmada por inúmeras decisões anteriores. A uniformização da jurisprudência oferece maior estabilidade e segurança aos cidadãos envolvidos em conflitos similares e contribui para a rapidez da Justiça.
Por outro lado, a súmula vinculante impõe a interpretação do STF a todos os órgãos judiciais.
Uma vez editada a súmula, não há possibilidade de decisão divergente e todo o trabalho de reflexão do juiz sobre a aplicação da lei a uma situação concreta fica subordinado à compreensão já assentada pelo Supremo. Isso pode, em alguns casos, levar à estagnação do direito, cuja evolução ocorre justamente pelas novidades interpretativas.
A sociedade é dinâmica, está sempre em transformação. Por isso, a interpretação das leis não pode ser engessada. É importante que haja espaço para abordagens inéditas dos textos legais e para que os conceitos sejam revistos.
Assim, por mais importante que a súmula vinculante seja para desobstruir os tribunais e conferir efetividade à Justiça, ela deve ser utilizada com parcimônia e razoabilidade e versar apenas sobre questões em relação às quais a falta de uniformidade das decisões seja prejudicial à sociedade e aos cidadãos.
Ainda é cedo para afirmar se a súmula vinculante contribuirá para a racionalização da prestação jurisdicional. No entanto, a expedição das três primeiras súmulas vinculantes confere ao Supremo Tribunal Federal o novo papel de gestor do espaço de interpretação das normas, responsável por fixar parâmetros para a padronização das decisões judiciais e administrativas em determinadas esferas.
Esse novo papel exigirá do STF uma reflexão cuidadosa sobre os critérios para a edição das súmulas, evitando sua utilização excessiva. Ao mesmo tempo, possibilita que esse tribunal reconheça as questões jurídicas mais tormentosas e estabeleça definitivamente as balizas para sua solução, contribuindo para a estabilidade das relações jurídicas e fortalecendo a credibilidade e a legitimidade do Poder Judiciário.
PIERPAOLO CRUZ BOTTINI , 30, é advogado, doutor em direito pela USP e ex-secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.