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Alguns aspectos polêmicos da regularização de bens no exterior

O objetivo deste artigo é abordar aspectos penais e tributários ainda não debatidos da lei de regularização de bens no
exterior (Lei nº 13.254), que entrou em vigor em janeiro passado.

O primeiro deles diz respeito a quais bens devem ser declarados. Sobre isso, a lei dispõe que devem ser indicados recursos que o contribuinte manteve no exterior até 31 de dezembro de 2014. Em outras palavras, é necessário também apontar valores passados, não mais disponíveis naquela data, como, por exemplo, aqueles transferidos, gastos ou que constavam em contas já encerradas. A ideia do legislador é permitir que aqueles que possuíam bens não declarados no passado possam também integrar o programa de regularização, uma vez que essa conduta pretérita configurou crime de evasão de divisas, que pode ser investigado até o momento da prescrição (em abstrato, 12 anos a contar da data na qual a declaração ao BC era necessária). Por isso, é recomendável a declaração destes bens até o prazo prescricional, na forma estabelecida na regulamentação ainda a ser apresentada.

Há dúvidas se a declaração à Receita não será usada por Estados e municípios para processos
tributários O segundo diz respeito à licitude dos bens a declarar. Reconhecendo a dificuldade de comprovar documentalmente bens adquiridos ou herdados há tempos, a lei se contenta com a “declaração” de que os ativos têm procedência lícita. No entanto, serão exigidas informações sobre tal origem que, se posteriormente se comprovarem falsas, excluirão o contribuinte do Programa de Regularização. O problema é que nesse momento a punibilidade do crime de evasão de divisas já estará extinta, criandose aqui um problema para a retomada da investigação criminal.
Outro aspecto relevante diz respeito ao benefício econômico do programa oriundo do cálculo do imposto de renda com alíquota de 15%, e da multa no mesmo valor do imposto, o que totaliza 30% de ônus a ser suportado, em tese, pelo contribuinte. Dizse em tese porque, tanto o imposto quanto a multa, incidirão sobre o valor de mercado dos bens e direitos em reais a serem regularizados, considerandose a taxa de conversão da moeda estrangeira para brasileira no último dia útil de dezembro de 2014. Como a taxa de câmbio nessa situação será de R$ 2,65, significa que a alíquota nominal de 30% é reduzida para uma alíquota efetiva de, aproximadamente, 21% incidente sobre o montante a ser regularizado, o que representa uma vantagem considerável para o contribuinte. Porém, não se pode esquecer o reverso da moeda, uma vez que esse benefício decorrente da desvalorização do real pode incrementar o ganho de capital na futura alienação dos bens e direitos regularizados, elevandose a tributação correspondente.

Do mesmo modo, há que se atentar para a necessidade de computar o pagamento de tributos com juros no tocante aos rendimentos, frutos e acessórios auferidos no decorrer do ano calendário de 2015, atinentes aos bens e direitos que forem regularizados. Mas para que não haja a incidência de multas nessa situação, o programa de regularização exige que os rendimentos sejam informados, respectivamente, na declaração retificadora de ajuste anual do imposto de renda relativa ao ano calendário de 2014, no caso de pessoa física, e na declaração retificadora da declaração de bens e capitais no exterior relativa ao ano calendário de 2014, bem como na escrituração contábil societária relativa ao ano calendário da adesão, em se tratando de pessoa jurídica.

Portanto, para o gozo dos benefícios da chamada denúncia espontânea, prevista no artigo 138, do Código Tributário
Nacional, as retificações das declarações a serem enviadas à Secretaria da Receita Federal, que complementam a
declaração única de regularização do programa, devem ser realizadas até o último dia do prazo para adesão ao Programa de Regularização, que é de 210 (duzentos e dez) dias contados da data de
entrada em vigor do ato regulamentador da Lei nº 13.254/16, que se espera
ser editado até o final do primeiro trimestre deste ano.

Por fim, outro aspecto na seara tributária que merece reflexão diz respeito à segurança jurídica para os contribuintes que aderirem ao programa de que a declaração de regularização a ser enviada à Secretaria da Receita Federal, com
cópia para fins de registro ao Banco Central, não será utilizada para fundamentar procedimento administrativo de natureza tributária por parte de outros entes políticos diferentes da União. Embora haja proibição expressa na Lei nº 13.254/16 de compartilhamento de informações prestadas pelos contribuintes com os Estados, o Distrito Federal e os municípios, “inclusive para fins de constituição de crédito tributário” (§ 2º, art. 7º), sugerese avaliar os possíveis impactos econômicos caso essa “blindagem” de informações venha a ser revertida no futuro pelo Poder Judiciário. Em uma realidade de transparência fiscal e intensificação da troca de informações entre os fiscos do mundo, não se pode mitigar por completo o risco de uma mudança de entendimento com relação à competência de lei federal para limitar a cobrança de tributos estaduais, distritais e/ou municipais que tenham como fatos geradores operações econômicas relativas aos bens e direitos regularizados na esfera federal.

Muitas outras questões surgirão quando da regulamentação ou aplicação da lei, o que não afasta o mérito da iniciativa nem a importância da adesão para o contribuinte que queira afastar de si o tormento de uma ação penal e autuação por parte da Receita Federal pelo fato de possuir bens lícitos e não declarados no exterior.

Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal da USP.

Rodolfo Tamanaha é advogado especializado em direito público, sócio do ATC Advogados e doutorando
em Direito Tributário (USP).

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