A astúcia e o porrete
Contra a lavagem de dinheiro, temos de fortalecer os órgãos de inteligência, o Coaf. Aumentar as penas e a ameaça punitiva, retirando garantias, é irracional
Lavagem de dinheiro é o tema da moda no mundo jurídico.
Os ministros do STF tratam dele com frequência durante as discussões da ação penal 470 (mensalão). O Congresso aprovou e o Planalto sancionou recentemente uma lei a esse respeito. Advogados, promotores e juízes discutem os novos contornos do crime. Banqueiros e corretores avaliam o quanto as novas regras impactam suas atividades. Seminários e mesas redondas sobre o tema pululam pelo país.
Mas o que é, afinal, lavagem de dinheiro? É o ato de ocultar ou dissimular bens de origem criminosa, dando-lhes aparência lícita. O ato, por exemplo, do traficante de drogas que justifica sua riqueza com notas referentes a serviços não prestados ou à venda de bens inexistentes.
E por que esse fenômeno desperta tanto interesse? Porque cada vez fica mais claro, para a sociedade e para as autoridades públicas, que a melhor e mais eficaz forma de combate à criminalidade organizada é estancar a lavagem de dinheiro, seguindo os rastros do capital obtido com as atividades ilícitas, capturá-lo, impedindo o refinanciamento das estruturas criminosas.
Mais do que a prisão de seus integrantes, que são facilmente substituídos por outros, o efetivo enfraquecimento dessas “empresas” do delito se dá com a desmontagem dos esquemas que as sustenta.
Percebeu-se que o combate ao crime organizado não pode mais se limitar às tradicionais formas de repressão (viaturas, armas, polícia ostensiva). Essa estratégia de “mais do mesmo”, de fortalecimento do “inspetor de quarteirão”, não tem condições de fazer frente a elaborados esquemas delitivos, amparados em operações financeiras, transações internacionais e estrutura empresarial.
Um plano eficaz de enfrentamento do crime organizado passa pela estruturação de órgãos de inteligência de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, como o Coaf, com capacidade de receber, armazenar e sistematizar informações sobre movimentações financeiras atípicas, detectar complexos esquemas de encobrimento de valores sujos e municiar autoridades com dados que permitam congelamento de bens e identificação dos autores dos delitos.
Por isso, é importante uma política de fortalecimento das instituições de controle, com ampliação e treinamento de pessoal, e capacidade de analisar em tempo razoável as informações remetidas.
A nova lei de lavagem de dinheiro segue essa linha de ampliação das redes de conhecimento e informação. Confere mais poderes ao Coaf e vai além. Obriga todos os profissionais que atuam em áreas utilizadas com alguma frequência por lavadores de dinheiro, como bancos, corretoras de valores, agências de eventos, de intermediação de contratos esportivos, a que mantenham um cadastro atualizado de clientes, e notifiquem autoridades públicas sobre qualquer suspeita de atos de encobrimento de dinheiro sujo praticado por seus usuários.
Claro que haverá discussão sobre a extensão e os limites dessas obrigações. Mas, uma vez assentados os seus contornos e corrigidos os excessos e exageros, será instituído um ambiente de maior controle das operações financeiras e comerciais, e, certamente, mais difícil para os atos de lavagem de dinheiro.
O incremento das agências de controle e as obrigações previstas na nova lei são um bom exemplo de como é possível aprimorar uma política criminal sem recorrer ao irracional aumento de penas e à supressão de garantias.
Substituiu-se a pura ameaça punitiva pela sofisticação de um sistema de inteligência eficiente, o terror simbólico vazio pela tecnologia da informação. Mas ainda falta investir mais no aperfeiçoamento de armas como a perícia, análise e inteligência de forma geral. O sucesso da empreitada depende da vitória da astúcia sobre o porrete.
PIERPAOLO CRUZ BOTTINI, 35, é advogado, professor de direito penal da USP e defensor do ex-deputado federal Professor Luizinho no julgamento da ação penal 470