Igor Sant’Anna Tamasauskas, Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Sócio de Bottini e Tamasauskas Advogados.
Junho trouxe uma notícia importante, que mobilizou meios jurídicos e políticos com opiniões fortes, de um lado, sugerindo lassidão no controle de agentes públicos, e, por outro, suspirando um alívio de quem se sentia pressionado pelo simples ato de decidir questões relevantes para uma coletividade, quiçá para o país: a reforma da Lei de Improbidade, aprovada pela Câmara e ora sob análise do Senado Federal.
A corrupção sempre despertou paixões mundo afora e, no Brasil, parece ganhar um colorido especial porque está sempre presente nos discursos políticos-eleitorais, como uma carta chave desqualificadora do adversário, muitas vezes para escamotear os defeitos e limitações daqueles que a empunham. Como doença crônica do poder, a corrupção deve ser um ponto de atenção de qualquer sociedade, mas não pode se tornar uma bandeira eleitoral monocórdica, sob pena de não permitir a seleção do mais apto, dentro dos concorrentes, para lidar com os diversos problemas da Administração.
Wicked problem, para a literatura especializada, o controle da corrupção é daqueles temas que há divergência aguda no modo como lidar. E é bom que assim o seja, num ambiente democrático, para que surjam inovações dos diversos debates.
Mas por que o projeto de lei em questão recebeu avaliações tão díspares, desde a alcunha de “Lei da Impunidade” até a avaliação de uma tábua de salvação para o chamado “apagão das canetas”, fenômeno recente que conduz ao esvaziamento do poder decisório público ante o receio de se enredar em uma acusação por improbidade?
Há conhecida desconfiança em tudo que envolva o Estado, por razões que não são possíveis apresentar na limitação deste espaço, e uma lei que modifique uma das ferramentas de controle público atiça essa desconfiança ainda mais.
A reforma, tal como aprovada na Câmara, em geral, é positiva. Uma lei que pretenda tipificar a improbidade na gestão pública deve, antes de tudo, promover uma separação clara entre quem se porta com intenção de fraudar o Estado e aquele que, por desconhecimento, mero erro ou má escolha, comete um ato indevido, porém não ímprobo. O Superior Tribunal de Justiça já de há muito decidiu que a Lei de Improbidade pune o administrador desonesto, não o inábil.
Porém, em razão de alguns problemas no texto ainda vigente, mesmo atos de inabilidade acabam sendo objeto de acusação de improbidade, com todos os estigmas decorrentes de conviver com uma acusação dessa natureza, que levará anos até ser definitivamente julgada. O projeto aprovado pela Câmara atua para deixar mais claras quais condutas – sempre intencionais – devem ser objeto de interesse da Lei de Improbidade, e quais devem ser remediadas por outros mecanismos.
Outro ponto interessante reside na fixação de regras mais objetivas para o cálculo da prescrição e para a definição do período de investigação, impedindo que a inércia dos órgãos de controle seja premiada com uma eternização da insegurança jurídica.
Esta proposta também avança na busca por uma maior sistematização da legislação de controle: (i) ao prever a unificação de penas, de modo similar ao da legislação criminal; (ii) ao estabelecer mecanismos de comunicação entre as instâncias de controle e criminal com os processos de improbidade; (iii) ao exigir uma descrição mais acurada das condutas a serem avaliadas pelo Poder Judiciário; e (iv) quando acrescenta regras mais detalhadas para a celebração de acordos, procurando ouvir os órgãos com atribuição na matéria.
Entretanto, uma questão, dentre outras, parece destoar da ideia de sistematização. O sistema brasileiro de controle é caracterizado por uma multiplicidade institucional, em que os órgãos e entidades de controle se apresentam organizados em rede, de modo cooperativo e competitivo. Cooperam para fazer avançar o controle da corrupção. Competem para que eventuais falhas de um dos órgãos sejam supridas pelos demais elementos da rede.
Nesse sentido, afastar a legitimidade consagrada da advocacia pública retira um ator importante no reforço dessa rede, criando uma dissonância que limitará a possibilidade de uma atuação sincronizada, harmônica. Esse ponto certamente será levado em consideração na continuidade do debate legislativo, inclusive com o exercício eventual do poder de veto.