Bernardo Barbosa e Felipe Amorim
Do UOL, em São Paulo e Brasília
25/09/2019
Resumo da notícia
O STF (Supremo Tribunal Federal) julga a partir das 14h de hoje um caso que pode levar à anulação de sentenças de processos da Operação Lava Jato e beneficiar diversos réus, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O caso em pauta se refere a Márcio de Almeida Ferreira, ex-gerente da Petrobras. Sua defesa pede a anulação da condenação na primeira instância com o argumento de que ele não teve como se defender de acusações feitas por outro réu, que fechou acordo de delação premiada, na fase de alegações finais –a última antes da sentença dada pelo então juiz e hoje ministro da Justiça, Sergio Moro.
A impossibilidade de defesa ocorreu, segundo o advogado de Ferreira, porque todos os réus tiveram o mesmo prazo para se manifestar nas alegações finais.
“Ora, como as defesas dos réus que não celebraram acordo de colaboração podem se opor ao aventado nas alegações finais pelos colaboradores, que os acusam de cometer crime [e que se beneficiarão desta imputação], se o prazo for comum a todos?”, questiona o advogado Marcos Crissiuma no recurso ao Supremo.
Este entendimento já foi acatado pela Segunda Turma do STF no fim de agosto, em pedido similar feito pelo advogado Alberto Toron ao defender Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras. A sentença a Bendine, também dada por Moro, foi anulada.
A anulação das condenações nesses casos não leva à absolvição do réu. A ação deve retornar à fase de apresentação das alegações finais e ser submetida a novo julgamento.
Enquanto procuradores afirmam que anulações podem fazer com que os crimes prescrevam antes de uma nova sentença e que a nova regra não está prevista no Código de Processo Penal, advogados defendem que a decisão da Segunda Turma garante o direito ao contraditório e à ampla defesa previsto na Constituição.
Como o julgamento pode afetar Lula
O recente entendimento da Segunda Turma já rendeu a Lula uma decisão favorável no STF, no processo sobre o suposto pagamento de propina ao ex-presidente, pela Odebrecht, por meio de um terreno para o Instituto Lula. O ministro Edson Fachin, que será o relator do caso a ser julgado nesta quarta, determinou que fossem refeitas as alegações finais no caso.
Se o plenário do Supremo seguir a linha da Segunda Turma, a decisão pode beneficiar Lula no processo sobre o sítio de Atibaia (SP), em que o ex-presidente foi condenado em primeira instância pela juíza Gabriela Hardt, da Justiça Federal do Paraná.
Os advogados de Lula também entendem que este argumento pode levar à anulação da sentença do petista no processo do tríplex, cuja condenação em segunda instância levou o ex-presidente para a prisão.
No entanto, há diferenças entre os casos do sítio e do tríplex que são ilustrativas de duas variáveis que podem entrar em discussão no STF hoje. Uma delas é o momento em que a defesa deve reclamar sobre se manifestar depois de réus delatores; e a outra é se um réu tem direito a se defender depois de uma acusação feita por um outro réu que não tem acordo de colaboração.
No caso do sítio, a defesa de Lula pediu ainda na primeira instância que o ex-presidente entregasse suas alegações finais depois dos réus que fecharam acordo de delação premiada. O pedido foi negado pela juíza Gabriela Hardt.
No caso do tríplex, as acusações contra Lula vieram de um réu que não tinha acordo de delação quando o processo estava na primeira instância — Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS.
Para a defesa de Lula, na prática, Léo Pinheiro atuou como delator no processo do tríplex, e por isso o petista deveria se manifestar nas alegações finais depois do empresário.
“A defesa deve sempre ter a última palavra no processo em decorrência das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Por isso os corréus delatados devem ter a oportunidade de apresentar alegações finais após os corréus delatores, independentemente da existência formal e escrita de um acordo de colaboração premiada”, afirma Cristiano Zanin Teixeira, advogado de Lula.
Os limites da defesa
Assim, o julgamento de hoje no Supremo pode servir não só para definir se réus delatados têm o direito de se pronunciar depois de réus delatores, mas em que circunstâncias isso pode ocorrer.
Para João Paulo Martinelli, professor de direito penal da EDB (Escola de Direito do Brasil), o Supremo deve tentar conter um “efeito cascata” com o argumento de que quem não fez a reclamação sobre as alegações finais desde a primeira instância “não provou prejuízo”.
“Uma das regras para a declaração de nulidade é que a parte demonstre o prejuízo”, disse. “Há casos em que o prejuízo é presumido, então a parte não precisa demonstrar. Neste caso, o Supremo pode limitar o alcance da decisão entendendo que quem reclamou desde a primeira instância demonstrou o prejuízo.”
Nos casos em que um réu sem acordo de delação imputa crime a outro, Martinelli diz que a necessidade de uma nova defesa depende do valor probatório que o Ministério Público, como acusador, e o juiz darão à manifestação do réu que acusa.
Para o advogado Alberto Toron, que defendeu Bendine no STF, o entendimento da Segunda Turma pode ser aplicado, em tese, neste tipo de caso.
“A regra é simples: o princípio constitucional do direito ao contraditório manda que quem seja acusado, venham as cargas acusatórias de onde vierem, deve falar por último. Isso atende ao princípio da ampla defesa, e atende ao próprio direito de defesa.”
No caso de Bendine, Toron citou como precedente um processo em que o advogado Pierpaolo Cruz Bottini usou linha similar de defesa em um caso no TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios).
“O réu não era delator formal, era um réu confesso, só que ele aderia à tese do Ministério Público. Ou seja, ele compactuava com a tese do Ministério Público. Portanto, tendo ou não um acordo formal, ele está mais próximo do assistente de acusação. Nós alegamos isso e isso foi reconhecido pelo tribunal”, disse Bottini.
Para Zanin, advogado de Lula, o que é relevante “é a carga acusatória apresentada por um corréu em detrimento de outro, e não se a conduta processual está contratada com o Ministério Público”, afirmou.
Lava Jato vê risco de anulação de dezenas de sentenças
Do outro lado do balcão, a visão é oposta. Após a decisão da Segunda Turma do STF favorável a Aldemir Bendine, a força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná) declarou em nota que pelo menos 32 sentenças poderiam ser anuladas caso o entendimento fosse estendido a todas as ações penais em que houve prazo comum para a apresentação de alegações finais de réus colaboradores e delatados.
Para os procuradores, no caso de Bendine, “não houve demonstração de prejuízo à defesa e não se deve presumir prejuízo segundo a jurisprudência do próprio Tribunal”. Ainda segundo a força-tarefa, a decisão da Segunda Turma “viola a isonomia entre os corréus”.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) também afirma que a adoção do prazo comum de alegações finais para réus delatores e delatados está claramente prevista no Código de Processo Penal, e que uma mudança neste tema pode “afetar as milhares de condenações penais referentes a uma miríade de crimes –e não apenas dos crimes que são usualmente objeto da Operação Lava Jato, como era o caso [de Bendine]”.
“Até mesmo condenações transitadas em julgado podem, em tese, ser impactadas pela via da revisão criminal”, disse a então procuradora-geral, Raquel Dodge, cujo mandato se encerrou na semana passada. |