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Regras de delações viram foco de conflito

1. Folha On-Line – SP (08/07/2017)

Regras de delações viram foco de conflito

JOSÉ MARQUES
DE SÃO PAULO
08/07/2017 02h00

De um lado, advogados insatisfeitos. Depois de mais de 20 reuniões para tratar da delação premiada do ex-sócio da Engevix Gerson de Mello Almada, os defensores do executivo não conseguiram fechar acordo com o Ministério Público Federal.

Réu na Lava Jato, Almada foi condenado e teve pena aumentada em 15 anos em segunda instância. “Ele não foi um dos escolhidos”, reclamou o advogado Antônio Sérgio Pitombo ao TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), em Porto Alegre.

De outro, procuradores intranquilos. Após o Ministério Público fechar a megadelação com a JBS, o STF (Supremo Tribunal Federal) discutiu se a delação pode ser revista pela Justiça no momento da sentença, o que poderia desestimular outras pessoas a fornecerem informações para investigações em troca de benefício em suas penas.
Em meio a essas questões, os dois lados concordam que o instituto da delação premiada precisa ser revisto, com mais transparência e maior segurança jurídica.

Para discutir o tema, o Ministério Público criou um grupo de trabalho composto por nove procuradores –dentre eles membros da força-tarefa da Lava Jato– e que tem, como um dos objetivos finais, o envio de projetos de lei ao Congresso que atualizem as leis que dispõem sobre leniência e delação.

Uma das ideias da equipe é que seja criado um “manual de boas práticas” da delação premiada e distribuído em todo o país, para servir de base aos membros da instituição.

Ainda pretendem que o uso de delações seja mais expandido, para fora dos limites da Operação Lava Jato, e se fortaleça como uma das formas de investigadores produzirem provas.

O grupo foi criado no ano passado, quando as críticas às delações ainda não tinham chegado ao auge –devido ao acordo da JBS–, mas passou a tratar dos temas após os novos eventos.

Uma das ações trazidas a público pela equipe de procuradores é uma nota técnica divulgada na quarta (5), em que pedem a rejeição de medida provisória que autoriza Banco Central e CVM (Comissão de Valores Imobiliários) a realizarem acordos de leniência.

ADVOGADOS

Parte dos advogados demanda que a tentativa de colaboração premiada, mesmo que não aceita pela Procuradoria, possa ser considerada pelos juízes no momento de aplicação da pena.

É o que defendeu Pitombo aos magistrados do TRF. “Dentro do ordenamento jurídico, haveria formas de poder ao menos se reconhecer no âmbito da fixação da pena o valor das palavras que ele [Almada] deu”, disse. “Há consequências da Operação Lava Jato que não ocorreriam sem a palavra dele. Por que ele não foi escolhido?”, questionou, na corte.

O criminalista Antônio Figueiredo Basto, que tem um escritório especializado em delações premiadas, concorda. Segundo ele, para que isso ocorra, é importante que todos os passos dos acordos sejam registrados e que inclusive haja uma justificativa caso seja recusado.

“É salutar que a Procuradoria estabeleça esses critérios”, afirmou. “Não cabe ao Ministério Público escolher e transformar alguém em troféu. Muitas vezes, as delações estão servindo para proteger os líderes da organização criminosa, como no caso da Odebrecht e da JBS”.

A Folha apurou que esse não é um tema de discussão dentro do grupo de trabalho do Ministério Público Federal sobre delações.

Figueiredo Basto é a favor de que a Polícia Federal também possa fechar acordos de de delação –outro ponto conflituoso com o pensamento da Procuradoria.

O advogado Pierpaolo Bottini, que também trabalha em acordos de delação no âmbito da Lava Jato, diz que a delação premiada precisa de uma “regulamentação”.

Segundo ele, o próprio Ministério Público deveria implementar diretrizes internas que regulamentassem os procedimentos.

Já Sérgio Rosenthal, que advoga para a Etesco, acha que a lei que dispõe sobre delação deve ser modificada pelo próprio Congresso. Ele diz que decisões da Justiça que criaram precedentes sobre os casos são conflituosas.

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