REFORMA EFETIVA
Todos sonhamos com uma Justiça rápida, eficiente e acessível. A discussão sobre os caminhos para organizar um novo modelo de Judiciário, adequado às expectativas da sociedade contemporânea, atrai o interesse da sociedade em geral. Desde os debates acalorados sobre os salários e as férias dos juízes até as profundas reflexões acadêmicas sobre os impactos do funcionamento da Justiça no desenvolvimento econômico da Nação, os temas que envolvem o exercício da prestação jurisdicional despertam a atenção dos mais diversos segmentos e setores. Juristas, economistas, psicólogos, jornalistas, movimentos populares, enfim, todos voltam suas atenções, ou parte delas, para o tema da reforma do Judiciário.
É hora, portanto, de fazer um balanço sobre o que foi realizado nos últimos anos para aprimorar o sistema judicial e modernizar seus serviços, e apontar as perspectivas para o futuro. Ainda que os problemas sejam evidentes, e a lentidão e a falta de acesso ainda marquem o funcionamento da Justiça, pode-se afirmar que foram dados passos relevantes em direção a um sistema mais ágil, efetivo e transparente.
Em primeiro lugar, deve-se notar que, no período apontado, a reforma do Judiciário passou a ocupar lugar de destaque na agenda política nacional. Basta observar que, em dezembro de 2004, o tema foi objeto de um Pacto de Estado por um Judiciário mais Rápido e Republicano, assinado pelos presidentes dos três Poderes, com 11 metas para reformular a Justiça brasileira, sinalizando uma inédita cooperação para enfrentar de maneira séria e madura os reais problemas que afetam a atividade judicial no País.
A partir de então, a reforma da Justiça ganhou espaço e força institucional. No âmbito do Ministério da Justiça, o ministro Márcio Thomaz Bastos criou a Secretaria de Reforma do Judiciário, indicando a preocupação do Poder Executivo com o assunto. Ao mesmo tempo, o Poder Judiciário, por intermédio do Supremo Tribunal Federal e do Conselho da Justiça Federal, iniciou uma intensa discussão sobre a necessidade de planejar e identificar, com dados e números objetivos, os principais gargalos da Justiça.
Esses esforços conjuntos para diagnosticar as mazelas e oferecer soluções concretas possibilitaram avanços reais e significativos para combater as dificuldades da efetivação da justiça. Foi aprovada a Emenda Constitucional 45, que reformulou o modelo de organização do Judiciário, criando, dentre outras coisas, o Conselho Nacional de Justiça, que conferiu transparência e racionalidade ao planejamento de políticas judiciais e enfrentou, já em seu primeiro ano de existência, questões relevantes, como o nepotismo e a fixação do teto salarial. A mesma emenda instituiu a súmula vinculante e a necessidade de repercussão geral do recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal, instrumentos que, se bem aplicados, permitirão a redução do grande volume de demandas judiciais em tramitação, principalmente os milhares de ações repetitivas e idênticas que obstruem a pauta dos tribunais.
Aprovada a reforma constitucional, seguiu-se a etapa da reforma infraconstitucional. Qualquer cidadão que teve ou tem um processo na Justiça sabe o tempo e o custo de levá-lo adiante, por isso mudanças na legislação processual são importantes. Para isso o Ministério da Justiça reuniu diversas entidades e associações, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual, para discutir e apresentar propostas nesse sentido. O resultado foi a apresentação de mais de 20 projetos de lei ao Congresso Nacional para alterar as leis de processo civil, penal e trabalhista, com o objetivo de minimizar as possibilidades de eternizar a solução definitiva dos conflitos na Justiça e tornar efetivas suas decisões.
Desses projetos, dez foram aprovados em 2006, transformados em lei, e estão em vigor, como, por exemplo, a norma que impõe uma multa de 10% sobre o valor da condenação ao réu que não cumprir a sentença após 15 dias de sua expedição, e que se tem revelado um importante mecanismo para efetivar as ordens judiciais e evitar o prolongamento desnecessário dos litígios. Ou a lei que permite que os divórcios e as partilhas consensuais, quando não envolvam interesses de incapazes, sejam registrados diretamente em cartórios, e não precisem passar pelo Judiciário, tornando mais ágil e menos tormentosa a prática de tais atos jurídicos.
É evidente que ainda existe um longo caminho a ser percorrido para alcançarmos um modelo mais eficaz de Justiça. Além da aprovação dos demais projetos em tramitação no Congresso Nacional, faz-se necessária a implementação de uma ampla reforma gerencial e administrativa nos tribunais, com a utilização massiva de novas tecnologias que permitam superar os entraves burocráticos existentes. A adoção dos sistemas de penhora online, de leilão virtual e de intimação por meio eletrônico demonstram que o sonho da Justiça sem papel, mais ágil, mais acessível e mais segura pode ser realidade em poucos anos, ainda mais com a recente aprovação da Lei 11.419/06, que regulamenta a prática de atos judiciais por meio virtual, que também integra o pacto já mencionado.
Diante disso, por mais que haja muito a ser feito, podemos afirmar que, nos últimos anos, grandes avanços foram conquistados, importantes obstáculos e gargalos responsáveis pela lentidão insuportável dos processos foram afastados, abrindo caminho para uma nova fase na prestação jurisdicional. Não temos o sistema judicial de nossos sonhos, mas é inegável que as reformas efetuadas, de ordem constitucional, infraconstitucional e de gestão, representaram um marco indispensável que nos aproxima de uma Justiça mais rápida, efetiva, acessível e transparente.
Pierpaolo Cruz Bottini, secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, é autor do livro Reforma do Judiciário
Fonte: O Estado de São Paulo