Primeiras impressões sobre a nova lei de lavagem de dinheiro
A melhor política de combate ao crime organizado não é endurecer as penas, mas bloquear o capital que o financia e sustenta. Mais do que a prisão, a pedra de toque para o enfrentamento da moderna criminalidade é o combate à lavagem de dinheiro.
Lavar dinheiro é o ato de ocultar bens, valores e direitos provenientes de infrações penais, para sua posterior reinserção na economia formal com aparência licita. O termo “money laundering” foi usado pela primeira vez por autoridades policiais norte-americanas nos anos 30 do século XX, para descrever o uso, pela máfia, do serviço de máquinas de lavar roupa automáticas para justificar seus recursos ilícitos. A expressão foi usada pela primeira vez em um processo judicial nos EUA, em 1982, e a partir de então ingressou na literatura jurídica e em textos normativos nacionais e internacionais.
O desenvolvimento da criminalidade organizada sofisticou o processo de lavagem de dinheiro. O uso de pequenos negócios para encobrir o capital sujo foi substituído por complexas movimentações financeiras em âmbito internacional. O rastreamento dos bens provenientes de ilícitos penais – muitas vezes mascarados em paraísos fiscais – exigiu o aprimoramento das estratégias de fiscalização e controle. A partir do final dos anos 80, tratados e convenções sobre lavagem de dinheiro foram assinados, e diversos países aprovaram leis especificas para enfrentar essa prática.
No Brasil, a primeira lei sobre o tema data de 1998. Previa a punição do ato de ocultar valores provenientes de alguns crimes graves, como o tráfico de drogas, de armas, e a extorsão mediante sequestro, com pena de 3 a 10 anos de prisão. A mesma lei criou o COAF, órgão responsável pela sistematização de informações sobre operações suspeitas, atividade fundamental para o conhecimento dos métodos de lavagem de dinheiro e o desenvolvimento de políticas de prevenção e repressão. Em decorrência da lei foram instituídas varas judiciais especializadas para o julgamento desses crimes, encabeçadas por juízes com capacitação e treinamento especifico para isso.
No último dia 05 de junho, foi aprovada uma nova lei sobre lavagem de dinheiro, que traz grandes mudanças. Algumas oportunas, como a ampliação do controle de movimentações financeiras suspeitas e regras que facilitam a identificação de bens sujos. Agora, juntas comerciais, registros públicos, e agências de negociação de direitos de transferência de atletas e artistas, deverão comunicar às autoridades públicas qualquer operação suspeita de lavagem de dinheiro, dificultando as atividades criminosas.
Outras alterações, no entanto, preocupam, como a ampliação do conjunto das condutas puníveis. Antes apenas bens provenientes de alguns crimes graves – como tráfico de drogas e contrabando de aras – eram laváveis. Agora, a ocultação do produto de qualquer delito ou contravenção penal – por menor que seja – constitui lavagem de dinheiro. Ainda que bem intencionada, a norma é desproporcional, pois punirá com a mesma pena mínima de três anos o traficante de drogas que dissimula seu capital ilícito e o organizador de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos. Não parece adequado ou razoável.
Ademais, a ampliação citada pode inviabilizar as varas judiciais especializadas em lavagem de dinheiro. Se a maior parte dos crimes ou contravenções pode gerar lavagem de dinheiro, haverá ampliação vertiginosa do numero de processos remetidos a tais órgãos para julgamento. O que era exceção passa a ser regra. Assim, ou bem se aumenta a estrutura e o numero de juízes nesses setores, ou a falta de quadros resultará na morosidade e na consequente impunidade pela prescrição.
Enfim, a nova lei – como todas em geral – tem aspectos positivos e negativos. Esperemos que seus exageros sejam compensados com uma aplicação cautelosa, pautada pela percepção de que o combate à lavagem de dinheiro tem por objeto o grande crime organizado, e que sua banalização e desvio de foco pode comprometer todos os avanços alcançados nos últimos anos.
PIERPAOLO CRUZ BOTTINI é advogado, professor-doutor de direito penal da USP e foi Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2005-2007).