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Os jogos de azar e a lavagem de dinheiro

Pierpaolo Cruz Bottini: Os jogos de azar e a lavagem de dinheiro

A Câmara dos Deputados acabou de aprovar projeto de lei que autoriza e regulamenta os jogos de azar no Brasil. Independente da questão de mérito, que opõe aqueles que defendem os ganhos econômicos da exploração de cassinos e afins àqueles que alertam para os prejuízos morais e sociais do convívio com apostas, lucros e perdas fáceis, há um tema que merece ser debatido: os riscos da lavagem de dinheiro nesse setor.

A literatura jurídica aponta que cassinos podem ser usados para conferir aparência lícita a dinheiro sujo. Um exemplo: um funcionário público que recebe milhares de reais em decorrência de corrupção pode justificar o valor como decorrente de fictícios ganhos no jogo de roleta. Para isso, basta levar os recursos ilícitos ao cassino, comprar fichas de outros jogadores (com um ágio) sem apostar em qualquer jogo específico, e apresentá-las ao caixa, alegando ter ganho tais valores. O dinheiro recebido terá aparência de licitude, porque foi “ganho” nos jogos existentes no local. Não à toa, entidades internacionais, como o GAFI, publicam recomendações para que autoridades públicas tenham atenção para com as facilidades que cassinos podem oferecer a atos de ocultação de dinheiro sujo.

Isso não significa que tais estabelecimentos sempre serão um oásis para a lavagem de dinheiro. Há países que convivem com a exploração dos jogos de azar e desenvolveram, ao longo do tempo, interessantes mecanismos para evitar que cassinos e afins sejam usados para limpar recursos de origem criminosa. Há recomendações para que tais estabelecimentos criem e mantenham cadastros de clientes, acompanhem a atividade dos jogadores (por exemplo, para identificar se realmente jogam ou se adquirem fichas de outra forma), evitem operações em dinheiro em espécie, e assim por diante

É preciso buscar essas experiências bem sucedidas, adaptá-las e desenvolvê-las para que o jogo não seja usado, no Brasil, como um instrumento de facilitação da lavagem de dinheiro. O projeto de lei aprovado tem um capítulo sobre prevenção a lavagem de dinheiro, que impõe uma série de obrigações aos operadores de jogos, como a implementação de procedimentos de avaliação de apostas, de riscos, e a comunicação ao Coaf de operações suspeitas e atípicas.

Ao lado disso, é importante alterar a lei de lavagem de dinheiro, para que os profissionais que atuam nestes estabelecimentos sejam elencados dentre os obrigados a colaborar com o Estado na prevenção e repressão à lavagem de dinheiro. E que seja criada a agência reguladora do setor, prevista no projeto de lei, e uma minuta de resolução com as regras concretas de conduta que serão exigidas dos estabelecimentos de exploração de jogos de azar, para que a sociedade conheça e discuta com antecedência quais medidas serão tomadas para evitar ou minimizar a lavagem de dinheiro nesse setor.

Enfim, se a decisão política for a autorização dos jogos, que sua implementação seja acompanhada das cautelas já adotadas por outros países. Que roletas e cartas não se tornem os novos instrumentos para esconder ganhos ilícitos e criminosos.

https://blogs.oglobo.globo.com/fumus-boni-iuris/post/pierpaolo-cruz-bottini-os-jogos-de-azar-e-lavagem-de-dinheiro.html

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