DROGAS: COM A PALAVRA, O STF
Postergar o debate sobre descriminalização é manter no limbo da insegurança jurídica milhares de usuários que esperam mais do que uma ameaça de pena ao lidar com a questão das drogas.
Pierpaolo Cruz Bottini – 04/06/2019
O STF julgaria nesta quarta-feira a descriminalização do uso de drogas. Em debate, a constitucionalidade da atual lei de drogas que prevê penas para aquele que consome substâncias proibidas. Uma discussão importante, iniciada há três anos e postergada por sucessivos pedidos de vista, foi adiada mais uma vez.
Há quem sustente que o debate na Suprema Corte perdeu o objeto, porque o Congresso Nacional aprovou uma nova lei de drogas. Portanto não faria sentido discutir a validade de uma lei revogada.
Não é verdade.
Não se discutem no Judiciário a atual ou a antiga lei de drogas, mas se a repressão criminal ao usuário de drogas contraria a Constituição Federal. De acordo com entidades como o Instituto Igarapé e a Viva Rio, punir o consumidor de entorpecentes contrasta com o princípio da dignidade humana, previsto no art. 1º da Constituição, que garante a todos a liberdade de ação desde que não afetem bens ou interesses de outros. Por contrariar um
preceito constitucional, qualquer lei que criminalize o uso de drogas seria inconstitucional e não deveria ser aplicada.
O novo projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional mantém o uso de drogas como crime. Portanto, não inova ou altera nada. O conflito com a Constituição continua a existir, e a manifestação do STF sobre o tema segue necessária.
Necessária porque a definição sobre o papel do Direito Penal na prevenção ao uso de drogas no Brasil é elemento central para o desenvolvimento de qualquer política pública nessa área. É a pedra de toque que assentará se o Brasil seguirá na linha de guerra às drogas, tratando usuários como inimigos do Estado que merecem repressão, ou adotará programas em sintonia com a maior parte do mundo ocidental, que perceberam o consumidor como alguém que precisa de auxílio e tratamento, mais do que penas ou ameaças.
O tema continua um tabu no Brasil porque se confunde a descriminalização com o incentivo ao uso de drogas. As questões são distintas. Afastar o Direito Penal do consumidor é possibilitar outras formas de prevenir o uso. É abrir um diálogo franco com as milhares de pessoas que lidam com entorpecentes. É possibilitar a acolhida, o tratamento, e mesmo a internação em casos mais delicados. É reconhecer que existem formas mais eficazes e úteis de cuidar do usuário do que a pena, cujo único efeito é afastá-lo de qualquer tentativa de superação do problema.
Enfim, é uma estratégia mais inteligente de reduzir o consumo dependente e problemático.