Escrevemos no calor do momento e sem conhecimento de todos os elementos em debate. Apesar do desafio — e certa imprudência —, o fazemos porque o tema exige posição.Como um contrato, o acordo de leniência necessita de estabilidade quanto ao que foi pactuado. Há obrigações públicas e privadas que precisam ser observadas, sob pena de revisão do ajuste ou a sua rescisão. Como qualquer contrato, pois.
Há um problema na concepção da Lei Anticorrupção: o acordo de leniência surgiu durante as discussões no Congresso sem, contudo, disciplinar a articulação entre os órgãos.
Apesar disso, MPF, CGU e AGU começaram a sincronizar suas atuações — não sem conflitos — e celebraram meia centena de acordos de leniência. Essa práxis construiu duas modalidades: um acordo do Ministério Público, com regras próprias; e o acordo de leniência previsto na lei, celebrado por CGU/AGU. Em casos mais recentes, tanto MPF quanto CGU/AGU estabeleceram um desejável consenso, firmando-se único instrumento, subscrito pelos três órgãos.
Recentemente, esse notável aprendizado para a sincronia parece ameaçado. Conta-se que haveria estudos sobre um “balcão único” para as negociações. Se essa dificuldade houve e foi um enorme entrave para muitas negociações, o sistema aprendeu a lidar com ela e criou alternativa com razoável segurança.
O problema é outro. Na verdade, sempre foi. A questão reside na necessidade de respeito ao pactuado pelo Estado. Se a pluralidade de instituições foi uma opção para enfrentar a corrupção, não se pode admitir que essa mesma pluralidade seja utilizada para não cumprir o acordado. O problema dos acordos de leniência reside na resistência ao pactuado. Às vezes, até mesmo no âmbito da instituição que o celebrou. E disso o “balcão único” não trata.
Há, sem dúvida, um problema institucional relacionado ao assunto. Mas esse problema remonta à Constituição, que impõe diversos órgãos atuando sobre o assunto: Tribunal de Contas, este jamais como celebrante de acordo, Ministério Público e Advocacia Pública. Não serão leis ou acordos de cooperação que resolverão o problema de sobreposição de atuações.
Se não podemos mexer em cláusulas constitucionais que não podem ser alteradas, nem tudo se encontra perdido. Tendo como exemplo a própria experiência de alinhamento nesses quase seis anos de vigência da Lei Anticorrupção, parece-nos que o esforço deveria ser direcionado ainda mais ao diálogo e à sincronização da atuação dos órgãos envolvidos.
A preocupação inicial — do “balcão” para início das negociações — parece já ter se endereçado. O cumprimento do acordo, a utilização de elementos de prova por órgãos que não participaram diretamente do ajuste e o papel dos Tribunais de Contas sobre os acordos, para citar três exemplos, vêm despertando preocupações.
Sem essa visão, de respeito ao desenho institucional de cada órgão envolvido, estimulando-os a sincronizar em torno do acordo, pensamos que haverá ainda mais insegurança jurídica, contrariando a lógica que inspira esse modelo negocial.
Igor Sant’Anna Tamasauskas, Mestre e Doutorando em Direito do Estado, Advogado
Sebastião Botto de Barros Tojal, Mestre e Doutor em Direito do Estado, Advogado