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A REFORMA DO JUDICIÁRIO: ASPECTOS RELEVANTES

Píerpaolo Cruz Bottini

Secretário de Reforma do Judiciário, mestre e doutor em direito pela
Universidade de São Paulo

Revista da Escola Nacional de Magistratura, v. 2, n. 3, abr. 2007

90 Revista ENM

A advocacia, pública e privada –, aos demais Poderes constituídos, aos institutos de arbitragem, mediação e afins, e, como não poderia deixar de ser, à sociedade civil e ao cidadão, destinatários finais de todos esses serviços.

Nota-se, portanto, que a discussão sobre o tema é mais ampla do que se possa imaginar, exigindo uma abordagem quase que multidisciplinar que permita uma visão abrangente de todo o sistema formal e informal desenvolvido para
a resolução de conflitos. Entretanto, dada a limitação do espaço e do escopo da publicação, vamos nos ater aos problemas mais comuns e às propostas de superação atinentes ao modelo institucional, público e formal de solução de controvérsias, ou seja, ao funcionamento do Poder Judiciário.

Os problemas do Poder Judiciário são conhecidos. A morosidade e a falta de acesso à Justiça são presentes na atividade de prestação jurisdicional e podem ser verificadas pelos números e pelas estatísticas produzidas nos
mais diversos âmbitos. Dados do Supremo Tribunal Federal demonstram que parcela significativa dos processos demoram cerca de oito anos para seu trânsito em julgado1, tempo excessivo para que um litígio seja resolvido de
maneira eficiente. Outros números demonstram que, no Brasil, um processo leva 546 dias para ser finalizado em 1ª instância, número maior que a média na América Latina (461 dias), em outros países, como no Chile (305 dias).

É evidente que a lentidão na solução de lides implica um deficit de legitimidade do Poder Público para o exercício de sua função soberana.

É um deficit que abala a confiança e a expectativa da sociedade em poder recorrer a um órgão público para a resolução de controvérsias, e que estimula a busca por outros mecanismos de superação de conflitos, nem sempre lícitos ou legais. A falha no funcionamento de uma atividade estatal fundamental é suprida por instrumentos que, muitas vezes, podem utilizar da violência (fática ou econômica) para alcançar as finalidades de superação das desavenças naturais em uma sociedade. Isso sem contar as conseqüências para o próprio desenvolvimento econômico do país.

A atividade produtiva de uma nação se fia na consistência e na fiabilidade das instituições, criadas e mantidas com a finalidade de criar um ambiente seguro para os diversos relacionamentos sociais, através da elaboração e da preservação de regras de convivência. A lentidão do Judiciário, a demora em exercer suas tarefas típicas, acaba por mitigar o contexto estável necessário para o aprimoramento das relações comerciais e financeiras indispensáveis ao
crescimento econômico.

Isso não significa, é necessário ressaltar, que a Justiça deva converter-se em uma indústria de sentenças rápidas e uniformes apenas para satisfazer o desejo de estabilidade dos agentes econômicos. Significa apenas que um Judiciário forte – que seja capaz de dar vazão, em um tempo razoável, aos conflitos que ocorrerm, e que apresente mecanismos de uniformização de interpretação de determinadas normas que garantam uma expectativa de racionalidade para investimentos – contribui, sem dúvida alguma, para a melhora dos índices econômicos da nação. Independentemente do mérito das decisões da magistratura, boas ou ruins para os operadores comerciais ou financeiros, a fixação de regras estáveis e previsíveis permite um melhor planejamento de atividades e a intensificação das transações econômicas.

Razões da crise

Ficam evidentes os prejuízos de um sistema judicial lento, para a coesão do tecido social e para o desenvolvimento econômico. É preciso, portanto, avaliar as causas da lentidão, as razões da morosidade, para que as propostas de
superação do problema não sejam açodadas ou superficiais. Faz-se necessária uma incursão nos dados e nas estatísticas disponíveis sobre o funcionamento da Justiça brasileira para compreender os motivos das vicissitudes que se apresentam na prestação jurisdicional.

Essa análise numérica permite descartar, de plano, alguns mitos sobre o mau funcionamento do Judiciário brasileiro. Em primeiro lugar, o mito de que a Justiça não funciona devido à desídia dos magistrados. O juiz brasileiro é um juiz produtivo, e essa afirmação pode ser corroborada com os dados sobre suas atividades, que demonstram a prolação de, no mínimo, quatro julgamentos ao dia2. Por mais que esse dado, expresso no Diagnóstico do Judiciário elaborado pelo Ministério da Justiça, inclua as decisões repetidas e idênticas, e varie de acordo com o que cada Tribunal entende pelo termo “julgamento”, fica patente que a atividade judicial brasileira é intensa, e a omissão não pode ser apontada como responsável pela morosidade que afeta os tribunais e os juízos.

Uma segunda idéia que deve ser objeto de reflexão é aquela que ressalta a falta de estrutura da Justiça como fator central para a demora no andamento dos processos. O Brasil despende cerca de 3,6% de seu orçamento público
com o sistema judicial, valor maior do que muitos países desenvolvidos3, o que permite a manutenção de quase 8 juízes por 100.000 habitantes, índice acima da média internacional para nações em desenvolvimento econômico
similar. Assim, não se pode dizer que o Judiciário brasileiro padece de falta de investimento, a não ser em realidades específicas ou em casos isolados e particulares. No entanto, no geral, não será com a criação de novos cargos
de juízes, ou com a instalação de novas varas e cartórios que a questão da morosidade será enfrentada de maneira satisfatória.

Diante deste contexto, devemos buscar as causas da lentidão da Justiça em outros locais, e não na desídia judicial ou na falta de estrutura. Deve-se buscar este deficit de funcionalidade da prestação jurisdicional em inúmeros outros
fatores, dos quais destacamos três por sua importância e relevância: a excessiva litigiosidade, a legislação processual e a gestão administrativa.

Primeiramente, tratemos da excessiva litigiosidade no país. No Brasil, existe um processo em tramitação para cada cinco cidadãos, um índice elevado que aparenta, em uma primeira análise, amplo e irrestrito acesso à Justiça. Se um a cada cinco cidadãos apresenta ou tem em andamento uma demanda judicial, a primeira impressão é que os mecanismos de acesso ao Judiciário funcionam muito bem. No entanto, a realidade não é essa. O alto índice de litigância no Judiciário brasileiro aponta apenas que um número muito pequeno de pessoas ou instituições utiliza intensamente o sistema judicial, enquanto que a maior parte da população não tem acesso a um meio formal de resolução de conflitos.

Este é o foco, o ponto central da discussão. Há um excesso de demandas judiciais que não decorre da democratização do Judiciário, mas de sua utilização exagerada por poucos atores, públicos e particulares. Entre estes atores, podese
destacar o Poder Público, algumas empresas concessionárias prestadoras de serviços e instituições financeiras, como principais usuários (como autores e réus) do Poder Judiciário, e não há possibilidade de se pensar em reforma da
Justiça sem refletir sobre o papel desses personagens e sobre como limitar ou onerar tal acesso ao sistema judicial.

A presença recorrente dessas instituições como réus ou autores na Justiça acarreta na multiplicação de feitos de igual teor, de conteúdo idêntico e repetido.

Sabe-se que um volume grande de lides versa sobre o mesmo tema, sobre a mesma matéria, muitas vezes apenas de direito, o que exige do magistrado um labor repetitivo e mecânico. Essa situação é agravada pela incapacidade da legislação processual de tratar essas questões como lides coletivas, o que realmente são.

Assim, um conflito único, sobre a mesma matéria, que envolve hoje milhares de processos, deveria ser tratado e processado como um único litígio coletivo, dadas as características individualistas de nossa legislação processual.

Outro fenômeno que contribui para o excesso de demandas é aquele que o professor Joaquim Falcão chama de judicialização da vida cotidiana, que indica a necessidade de levar muitos atos particulares à homologação judicial para que estes produzam os efeitos desejados. Questões simples, que não envolvem conflitos de interesses e que poderiam ser solucionadas e processadas de maneira extrajudicial, ainda há pouco tempo eram mantidas nas esferas de atribuições dos magistrados, ocupando seu tempo e a estrutura da instituição.

Cite-se aqui o exemplo dos divórcios, inventários ou partilhas que, para efetivação, precisavam do aval de um magistrado, mesmo que o ato fosse realizado consensualmente e entre capazes. Isso implicava um grande número
de processos autuados, distribuídos e levados aos cartórios e ofícios judiciais, para uma chancela, um despacho que não envolvia controvérsia alguma.

Certamente, a dispensa da etapa judicial, nesses casos, agora permitida pelo CPC, significará uma simplificação saudável do procedimento e refletirá em uma redução importante do número de feitos em tramitação na Justiça.

Por fim, ainda no terreno da exagerada litigância, pode-se apontar a ausência de uma cultura voltada para a solução amigável dos conflitos como um fenômeno que reforça a atual crise de lentidão da Justiça. No Brasil, a formação jurídica, desde os cursos de graduação, é voltada para a resolução de controvérsias através da sentença judicial; logo, qualquer disputa é encaminhada ao Judiciário, o que avoluma o estoque de processos.

Práticas como mediação e conciliação são pouco utilizadas, com exceção de algumas experiências isoladas, levadas a cabo por associações, comunidades ou tribunais. Recente diagnóstico dos Juizados Especiais demonstrou que, mesmo nesses órgãos, em que a prática da conciliação é um princípio norteador de atividades, os acordos representam apenas 34% dos casos. Isso aponta para a ausência de uma política voltada para a qualificação e para a consolidação das formas não judiciais de superação de litígios, para a consagração dessas práticas como matéria indispensável à formação de operadores do direito, para a elaboração de uma legislação que incentive tal metodologia, que acarreta no aumento dos feitos judiciais e, conseqüentemente, contribui para a morosidade.

Além do excessivo número de litígios judiciais, outro elemento que deve ser indicado como co-responsável pela perpetuação dos feitos é a legislação infraconstitucional processual. Os dispositivos que regulamentam o processamento civil, penal e trabalhista fazem com que os processos que entram em grande número no Judiciário demorem mais tempo do que o necessário para sua finalização e conclusão. Portanto, faz-se necessária a revisão das normas processuais.

Isso não quer dizer que se deva alterar a legislação para suprimir recursos ou garantias constitucionais inerentes ao devido processo legal. Faz-se necessária uma reforma legislativa que tenha por objetivo valorizar a sentença do juiz de primeira instância, qualificar sua atividade e inibir recursos meramente protelatórios, e que não tenha por finalidade a defesa das partes, mas apenas ganhar tempo para evitar o cumprimento ou a execução de uma sentença desfavorável.

O processo não deve ser um fim em si mesmo, mas deve ser orientado e regulamentado teleologicamente para servir de instrumento que põe fim a um conflito de interesses de maneira definitiva. Sendo assim, qualquer proposta de alteração do ordenamento deve vir acompanhada de prudência e cuidado para não afetar o contraditório, mas deve, por outro lado, apresentar mecanismos que permitam superar alguns gargalos que hoje tornam inviável um andamento eficiente dos processos na Justiça.

Por fim, faz-se necessário frisar que um dos grandes responsáveis pelo funcionamento lento da Justiça atual é o modelo de gestão judicial. O sistema de administração do Judiciário ainda padece da falta de modernização, de
informatização e de racionalidade, vícios, aliás, que não podem ser apontados como exclusivos deste Poder, e estão presentes em outros órgãos e instituições do Executivo e do Legislativo.

Por mais que se faça uma ampla reforma legislativa, que oriente e direcione os processos a uma maior celeridade, nada acontecerá, concretamente, se os obstáculos gerenciais não forem superados. Sabe-se que parte significativa da
demora no andamento dos processos não decorre do tempo que o mesmo passa nas mãos dos advogados para recorrer, nem nas mãos do magistrado para decidir (mais uma vez, excetuados os casos teratológicos), mas do tempo
que os autos aguardam diligências, ofícios ou um andamento burocrático específico. É nesses pontos de estrangulamento que deve atuar uma reforma de gestão da Justiça, utilizando os instrumentos tecnológicos disponíveis para conferir maior rapidez a sua superação.

Trata-se, mais uma vez emprestando a expressão do professor Joaquim Falcão, da reforma silenciosa do Judiciário, daquela reforma que não figura nas páginas dos jornais, que não gera polêmicas, que não está na agenda política,
mas, muitas vezes, é aquela reforma mais cara aos usuários da Justiça, àqueles cidadãos que estão na ponta última da atuação da prestação jurisdicional e que necessitam de uma tramitação mais rápida de seus feitos.

Alternativas

Diante de tal realidade, as propostas que se apresentam para superar a atual crise da Justiça são de índole constitucional, infraconstitucional e gerencial.

No terreno das alterações constitucionais, pode-se afirmar que o Brasil deu um grande passo adiante com a aprovação da Emenda Constitucional 45, que tratou da reforma do Judiciário. Não que a modificação dos dispositivos constitucionais seja responsável pela alteração, imediata e concreta, da realidade, mas, certamente, foram fixadas as diretrizes e os marcos institucionais dentro dos quais se pode empreender um salto qualitativo para reformular o modelo de Judiciário existente.

A criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, que poderão superar a carência de planejamento estratégico no sistema judicial brasileiro e racionalizar algumas práticas administrativas,
a instituição de mecanismos de uniformização de jurisprudência, como a polêmica súmula vinculante e a repercussão geral do recurso extraordinário, e a consagração da autonomia financeira e orçamentária das defensorias públicas dos estados, demonstram a dimensão da reforma constitucional e permitem que se vislumbre o alcance de alguns de seus efeitos.

No entanto, após a delimitação dos princípios e da instituição oufortalecimento dos órgãos responsáveis pela consolidação de um novo sistema de Justiça, fez-se necessária a alteração legislativa infraconstitucional, para
possibilitar a concretização das diretrizes estipuladas no texto magno. Para consolidar a idéia, o Presidente da República, o Presidente do Supremo

Tribunal Federal, e os Presidentes da Câmara e do Senado assinaram, em dezembro de 2004, um Pacto por um Judiciário mais rápido e republicano, que consistiu em onze compromissos dos chefes dos três poderes relacionados
com o aprimoramento da prestação jurisdicional. Dentre esses compromissos, destacaram-se o envio de vinte e seis projetos de lei ao Congresso Nacional, referentes a alterações no processo civil, penal e trabalhista.

A força institucional que permeou a apresentação desses projetos é evidente. Além da subscrição dos membros das cúpulas dos Poderes nacionais, a elaboração da redação das propostas contou com a colaboração ativa de
associações de magistrados, advogados e de institutos voltados para o estudo da matéria, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual. O resultado foi a apresentação de projetos com boa técnica, maduros e largamente discutidos
com os operadores do direito e com a sociedade civil, que pudessem, efetivamente, contribuir com a agilidade do Judiciário.

O resultado de todo esse esforço foi a aprovação de dez leis em 2006, que modificam pontos importantes do Código de Processo Civil. Tratam de questões amplas, como as execuções de títulos judiciais e extrajudiciais, a súmula
vinculante, a repercussão geral do recurso extraordinário, a prática de atos processuais por meios eletrônicos, o regime de agravos, os efeitos das súmulas dos tribunais, os pedidos de vista, a prescrição de ofício e assim por diante.
Independente das particularidades que cercam cada um deles, pode-se dizer que a espinha dorsal que principiou tudo foi a busca de racionalidade teleológica dos procedimentos e a inibição de atividades meramente protelatórias. A finalidade dessas propostas também é enfrentar a realidade do excesso de litígios e dos anacronismos da legislação processual para oferecer aos cidadãos um sistema mais eficiente e, ao mesmo tempo, garantidor da ampla defesa.

Tome-se como exemplo a Lei 11.277/06, que trata dos processos repetitivos. Esse diploma legal busca superar uma realidade já mencionada do grande volume de processos que versam sobre matérias idênticas na Justiça. Pelas
novas regras, quando um juiz decidir sobre uma questão de direito reiteradas vezes, e, em todas elas, optar pela rejeição da pretensão inicial do autor, ele poderá, nos próximos pedidos idênticos, expedir antecipadamente sua decisão, sem necessidade de citar o réu e aguardar a contestação. Ressalte-se que, nestes casos, o magistrado já firmou sua convicção sobre determinado assunto, e não se faz necessário compor uma relação processual com a parte demandada, sendo que sua sentença será favorável à mesma. Nestas situações, poupa-se o réu de responder a uma demanda à qual ele já contestou anteriormente e na qual ele já é vencedor. Diminui-se o trabalho do magistrado, que manterá sua sentença anterior em todos os casos idênticos e repetidos, e o trabalho do réu, sem prejuízo algum para o autor, que teve o pleno direito de ajuizar sua demanda e tê-la submetida a um membro do Poder Judiciário.

Outro exemplo digno de nota é a Lei 11.276/06, que dispõe sobre a súmula impeditiva de recursos. Trata-se da hipótese em que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça expedem súmulas normais sobre
determinados temas. Tais súmulas não vinculam o magistrado (não se trata das sumulas vinculantes que, para sua aprovação, dependem da vontade expressa de 2/3 dos membros do STF), mas apenas orientam e indicam a posição destes tribunais sobre determinada matéria de direito. Pela nova lei, nos casos em que o juiz de primeiro grau, diante de situação semelhante àquela prevista na súmula, aplicar a mesma, não haverá possibilidade de apelação. Note-se que, nestes casos, o juízo mantém a liberdade de seguir a orientação dos tribunais (STF e STJ) ou rechaçá-las, mas, caso opte por acatar o teor da súmula e aplicá-la ao caso concreto, ficará vedada a utilização de recursos, uma vez que já há posição consolidada nos tribunais a respeito.

Note-se que ambos os diplomas legais mencionados, recém aprovados por unanimidade no Congresso Nacional, seguem a mesma diretriz de valorizar o trabalho do juiz inicial da causa, e de pavimentar o caminho para um sistema
mais eficaz e menos tormentoso de resolução de conflitos.

Na mesma linha, veio a Lei 11.441/07, que permite a realização de divórcios, separações, inventários e partilhas por escritura pública, sem a necessidade de processo judicial, para os casos em que não haja conflito nem
incapazes. Além de representar um ganho para o cidadão, que agora pode praticar tais atos diretamente nos cartórios de registros, também significou um passo para a redução do número de demandas na Justiça, pois todos
estes processos deixam de ingressar no sistema, permitindo a liberação da pauta e a dedicação do magistrados a tarefas mais importantes, que exijam um labor intelectual mais refinado.

O mesmo pode-se dizer dos projetos de lei sobre o processo trabalhista e penal, que, sem alterar a legislação material, buscam agilizar os trâmites e as etapas necessárias para a solução definitiva das questões apresentadas
ao poder Judiciário e, com isso, respaldar a atividade estatal no campo da solução de litígios.

Por fim, e talvez o mais importante, deve-se mencionar como atividade imprescindível ao sucesso das reformas judiciais o já mencionado esforço para a modificação da gestão da Justiça, nos diversos níveis em que ela se faz possível.

A gestão da Justiça é efetuada em três níveis ou camadas: o governo judicial, a gestão judicial e a gestão dos cartórios. Na primeira camada, se encontram os órgãos responsáveis pelo planejamento estratégico da implementação de políticas judiciais, que fixam normas genéricas para a atividade administrativa
do Judiciário. No Brasil, o princípio federativo exige que cada unidade política estabeleça suas próprias normas e diretrizes para a prestação jurisdicional que, se por um lado preserva e coroa autonomia dos estados, por outro, torna o governo judicial uma atividade extremamente fragmentada e descordenada.

A criação do Conselho Nacional de Justiça, pela Emenda Constitucional 45, com poderes e competências para fixar normas gerais de regulamentação das atividades do Judiciário, representou um avanço, pois, se preserva o princípio
federativo ao integrar ao Conselho membros dos Judiciários estaduais e ao reservar suas competências a atos normativos genéricos, mostra-se imprescindível para padronizar algumas regras de conduta e harmonizar as atividades em todo o território nacional. Cite-se como exemplo as resoluções do Conselho que vedaram a prática de nepotismo, que organizaram os critérios de promoção por merecimento para os tribunais, que regulamentaram a fixação de subsídios e que iniciaram uma padronização das informações estatísticas da atividade dos tribunais.

Outro nível de administração da Justiça é a gestão judicial, que é exercida pelos órgãos responsáveis pela elaboração das propostas orçamentárias e pela execução dos orçamentos nas diversas unidades judiciais. Essa atividade envolve a administração cotidiana dos tribunais, a elaboração de planos estratégicos regionais, e a orientação e autorização de despesas.

É nesse nível, por exemplo, que remanesce a atribuição de autorizar ou não a utilização de instrumentos de informática para a realização de atos judiciais, como o penhora on line de contas correntes bancárias ou de veículos, ou a criação de juizados virtuais, ou a pertinência da instalação de unidades itinerantes.
Por fim, a última camada da administração da Justiça é a gestão dos cartórios, é a organização da tramitação cotidiana dos processos e procedimentos realizadas pelo juiz. É com esta última camada que o usuário comum da Justiça tem contato, é nela que ele deposita suas expectativas para a resolução de seus litígios. Também aqui é necessária a racionalização em prol do bom atendimento e da agilidade, pois é esta a porta de entrada e o referencial que a sociedade tem da Justiça.

Em relação à atividade de gestão judicial e de gestão de cartórios, deve-se frisar que existem práticas de excelência espalhadas por todo o país. O Judiciário brasileiro é criativo quando se trata de encontrar soluções organizacionais e tecnológicas para fazer andar com mais rapidez seus expedientes.

É preciso, no entanto, conhecer e divulgar estas práticas, e com esse objetivo o Ministério da Justiça, em conjunto com a Associação dos Magistrados Brasileiros, com a Fundação Getulio Vargas e com a Companhia Vale do Rio Doce, lançou o Prêmio Innovare, que tem por finalidade premiar as experiências bem-sucedidas de administração e gerência judicial. A idéia da premiação, mais do que reconhecer o esforço dos magistrados responsáveis pelo desenvolvimento de práticas de excelência, é a divulgação e a replicação de tais práticas em todo o país, para que os usuários da Justiça desfrutem destas boas experiências e de seus resultados.

Conclusão

Diante de todo o exposto, temos que o problema da morosidade e da falta de acesso à Justiça é complexo, e sua superação não ocorre com soluções milagrosas ou simples. Faz-se necessário um trabalho constante de reflexão e de apresentação de alternativas ousadas, mas viáveis, para a construção de um novo modelo de prestação jurisdicional, congruente com as expectativas da sociedade, que resolva as questões que se apresentem de uma maneira mais rápida e eficiente.

O papel das escolas de magistratura, nesse contexto, é essencial. A formação de profissionais conscientes dos problemas concretos que afetam o sistema e capazes de refletir sobre as alternativas para sua superação deve
ser uma prioridade. Mais do que um técnico com atribuições de aplicar as normas aos casos concretos, o magistrado é um agente de Estado, responsável por administrar a distribuição de Justiça de maneira coerente e racional. Logo, é dever das instituições responsáveis pela formação e pelo aprimoramento intelectual dos juízes formar núcleos pensantes que produzam propostas e soluções para o desenvolvimento de todo o sistema judicial, contribuindo, desta forma, para a construção de um novo modelo mais eficiente e mais acessível a toda a população.

Revista da Escola Nacional de Magistratura, v. 2, n. 3, abr. 2007

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