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Minority report? Governo de SP planeja testar tecnologia que prevê comportamento criminoso; entenda

Expectativa é que proposta seja colocada em prática a partir de agosto

O governo de São Paulo planeja testar, ao longo de seis meses, uma tecnologia que tenta prever o comportamento criminoso. A iniciativa deve ser colocada à prova no centro da cidade de São Paulo e em municípios da Baixada Santista, onde o governo tem feito sucessivas intervenções policiais para desarticular o crime organizado.

A medida será incorporada ao projeto Muralha Paulista, que abrange uma série de iniciativas da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) para reduzir a criminalidade no estado, tendo como foco a integração de câmeras de videomonitoramento de diversas cidades com radares e rastreadores de veículos e celulares.

— Com a utilização de diversas bases de dados e dos históricos de ocorrências, o sistema de analytics poderá apontar a probabilidade de haver um crime em determinada localidade, possibilitando que a inteligência artificial alerte os policiais das proximidades quando reconhecer o comportamento criminoso suspeito que está prestes a acontecer, o que poderá ser acompanhado e monitorado em tempo real— explica o vice-governador Felício Ramuth (PSD).

Ele ainda acrescenta:

— A predição (de comportamento criminoso) se faz com base em elementos objetivos de interpretação e análise de dados criminais, considerando gestos, atos, grupos, horários, locais e histórico de ocorrência — completa Ramuth.

A temática da previsão do comportamento criminoso pauta o filme “Minority Report: A Nova Lei”, uma ficção científica dirigida por Steven Spielberg e lançada em 2002. O enredo gira em torno de um departamento policial que passa a prever crimes com precisão a partir do uso de um sistema que combina tecnologia com indivíduos chamados “precogs”, que têm a habilidade de vislumbrar o futuro. A reviravolta da trama ocorre quando o personagem de Tom Cruise, que é líder do departamento policial, é acusado injustamente de um futuro assassinato futuro e se vê obrigado a fugir e provar a sua inocência, mostrando as falhas no sistema. O filme foi inspirado em livro de Philip K. Dick, que leva o mesmo nome, lançado em 1956.

O governo deve selecionar em breve uma empresa para fornecer a tecnologia e realizar a chamada prova de conceito (PoC) — um teste que vai demonstrar se o método é ou não eficaz. A depender de quem ganhe o processo e do tempo necessário para customização e treinamento das equipes, somente a partir de agosto a proposta começará a ser colocada em prática. Caso apresente resultados satisfatórios, o governo poderá abrir uma licitação para contratação permanente.

Segundo Ramuth, uma das empresas consultadas foi a Beacon Red, que pertence ao Grupo Edge, conglomerado estatal dos Emirados Árabes Unidos. Em janeiro, o vice-governador viajou a Abu Dhabi para conhecer detalhes da proposta da empresa, em uma delegação com o secretário de Negócios Internacionais, Lucas Ferraz, e o assessor Internacional de Segurança Pública, Alexandre Nepomuceno.

O governo já assinou um protocolo de intenções com a Beacon, que é um primeiro passo para formalizar uma parceria ou acordo futuro. Atualmente, esse documento está em fase de análise de viabilidade jurídica.

Embora não haja contrato fechado com a Beacon, a agência estatal de notícias do Emirados Árabes, a WAM, já deu detalhes da parceria, batizada de “Crystal Ball” (na tradução, Bola de Cristal).

“O objetivo do programa é aumentar a visibilidade em relação às estatísticas de crimes, identificar áreas de pontos críticos, rastrear atividades criminosas, dar suporte às vítimas e avaliar o impacto sobre as empresas, juntamente com métricas relevantes”, diz o texto da agência, que cita ainda outras tecnologias dentro da parceria, como drones inteligentes.

A pauta da segurança pública foi o calcanhar de Aquiles do primeiro ano de mandato do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em entrevista no início do ano, Tarcísio reconheceu que a área foi a que mais deixou a desejar em 2023. Este ano, a segurança voltou ao centro das atenções com a deflagração da Operação Verão, na Baixada Santista, que deixou mais de 30 mortos.

Especialistas têm ‘pé-atrás’

O advogado criminalista Matheus Falivene, doutor e mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), explica que países como os Estados Unidos adotam metodologias de predição do comportamento criminoso para orientar políticas de segurança pública e realizar investigações criminais.

— Porém, a grande questão que se coloca é que, ainda que se possa utilizar a predição do comportamento criminoso para orientar políticas de segurança pública, ela não pode ser utilizada para “punir” antecipadamente alguém que ainda não cometeu um crime. Isso porque o Direito Penal Democrático atua apenas depois de um crime ser cometido, não punindo pensamentos, cogitações ou suposições — explica Falivene.

O advogado e professor de direito penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini diz que não conhece a proposta do governo de São Paulo, mas demonstra “preocupação” com sistemas produtivos, voltados à premonição de crimes futuros.

— Em regra, resultam em abordagens preconceituosas e sobre as pessoas mais vulneráveis, aumentando a desigualdade social e a injustiça —afirma o advogado, que é presidente da Comissão de Liberdade de Expressão da OAB.

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