Há uma provocação de um estudo acadêmico sobre a conformação institucional do Ministério Público brasileiro que indaga: há muitos cozinheiros nessa barafunda que é o sistema anticorrupção nacional?
Winters, nesse estudo, questiona se foi a melhor solução para o Brasil formar uma autoridade anticorrupção —o MP— composto de tantos centros de decisão quanto os membros da instituição.
Hoje, cada integrante do MP responde somente a si próprio e à Constituição sobre suas atividades-fim, gerando censura quanto à efetividade e à eficácia de sua atuação. No limite, apesar de soar estranho aos ouvidos de um estrangeiro, o MP vem desempenhando suas atividades a contento, ainda que esteja sujeito a críticas.
Partindo dessa premissa de diversidade de atores para um mesmo fim –o enfrentamento da corrupção–, este artigo utiliza-se da provocação original para questionar se há ou não um entrave à aplicação da legislação brasileira ante a multiplicidade de agências anticorrupção —o “Sistema U” (CGU, AGU e TCU), além do próprio MPF e sua realidade multifacetada.
Essas múltiplas agências anticorrupção também não configurariam um excesso contraproducente na aplicação da Lei Anticorrupção?
De início, é assustador imaginar que um pretendente a colaborador no país tenha que lidar com, ao menos, três ou quatro balcões distintos para expiar suas culpas, revelando assuntos ilegais e, no mais das vezes, ter que lidar com a suspeita de que as autoridades com quem negocia podem ser potencialmente próximas daqueles que são objeto da colaboração –ou “leniência”, para ser mais tecnicamente preciso.
Para tal suspeita, é bem de ver que, no plano federal, CGU e AGU minimizaram a questão ao preverem uma comissão independente, composta de servidores de carreira, para conduzir tecnicamente as negociações.
Ainda assim, contar diversos balcões diferentes causa espanto, ante a sensibilidade das informações a serem compartilhadas.
Todavia, num quadro de corrupção sistêmica como o vivido há tempos no país, não há segurança em delegar somente a um órgão toda a função de “gatekeeper”; tanto melhor que haja, de fato, outros agentes para dificultar a cooptação pelos agentes corruptores.
Essa opção de estabelecer diversas autoridades com atribuições concorrendo entre si foi uma clara opção da Constituição de 1988 e há que ser respeitada por alguém que almeje a solução negociada para um caso de corrupção.
Quando nos defrontamos com a necessidade de costurar uma homogeneidade de posições entre esses diversos atores, pareceu uma tarefa acima da compreensão humana, sobretudo por ter de explicar isso ao cliente estrangeiro, acostumado ao pragmatismo de seu país de origem. Mas a tarefa, apesar de consumir longos três anos, acabou sendo desempenhada, e o primeiro acordo com todas as autoridades anticorrupção na mesma mesa foi celebrado.
Assim, colocar inúmeros cozinheiros nessa cozinha pode, em princípio, soar um contrassenso, à luz de uma teoria distante da realidade brasileira. Todavia, descendo ao piso em que caminhamos diuturnamente, parece que a ideia do legislador é diminuir o risco de cooptação. Gera insegurança, sim, e dá muito mais trabalho para aplicar.
Caótico, desorganizado, mas brasileiro. “It is what it is”. Temos que lidar com essa situação, e o recente acordo celebrado com um grupo internacional de comunicação é prova de que há lógica nessa aparente balbúrdia: havendo uma racionalidade técnica —e a robustez dos cálculos de ressarcimento ao erário é fundamental—, os cozinheiros atuam de forma organizada. É, sim, possível de se fazer uma feijoada nessa cozinha!