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Fim das coercitivas resgata garantias constitucionais, dizem advogados

O Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quinta-feira (14/6), por 6 votos a 5, que é inconstitucional a condução coercitiva para interrogatórios. Com isso, fica proibida a prática, que vinha sendo utilizada com frequência em investigações, incluindo a operação “lava jato”. A decisão foi elogiada por criminalistas, que consideraram que o fim da condução coercitiva resgata garantias constitucionais.

Autora de uma das ações analisadas, a Ordem dos Advogados do Brasil comemorou a decisão. “Uma vitória para a democracia! Todos nós queremos o combate ao crime e à impunidade, mas nos estritos termos da lei. Não vou me cansar de afirmar que não se combate o crime cometendo outro crime”, diz o presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia.

“A Constituição brasileira assegura que ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo, além do que, o investigado ou acusado tem o direito de permanecer calado, portanto, a condução coercitiva, por si só, já representa uma violência do Estado contra o cidadão, absolutamente imprópria numa democracia”, afirma o criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

O advogado Maurício Dieter, chefe do Departamento de Amicus Curiae do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), avalia que a decisão garante preceitos fundamentais. “Trata-se de uma vitória importante na tentativa de restaurar os direitos humanos no processo penal brasileiro, corrompidos que estavam por pretensões punitivas que não merecem qualquer elogio”, afirma Dieter, que fez sustentação oral no STF durante o julgamento – a entidade atuou como amicus curiae em uma das ações.

O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini afirma que forçar alguém a participar de interrogatório é uma medida descabida. “A condução coercitiva é um contrassenso. Se o depoimento é ato de defesa e o acusado pode inclusive ficar em silêncio, a medida e descabida.”

Em coluna publicada na ConJur, Bottini já havia defendido o fim da medida, apontando suas ilegalidades. Além disso, ele rebateu os argumentos dos que acreditam que o fim da condução coercitiva aumentará as prisões cautelares. “O fim da condução coercitiva não levará à sua substituição pela prisão temporária, uma vez que os requisitos, as hipóteses de cabimento e as finalidades são distintas”, escreveu.

Para João Paulo Martinelli, professor de Direito Penal do IDP-São Paulo, “a condução coercitiva, da forma como vem sendo aplicada, não possui previsão legal”. “Qualquer medida que restrinja direitos, especialmente a liberdade, precisa ter previsão legal. O voto do ministro Celso de Mello foi magistral, uma aula de processo penal. O ministro lembrou que nosso Código de Processo Penal foi editado na vigência de um regime de exceção, a ditadura Vargas, período em que a Constituição era completamente diferente da atual”, diz.

Martinelli destaca, no entanto, que ainda há outras violações que seguem ocorrendo, “como a prisão preventiva decretada de ofício pelo juiz ou a produção de provas pelo magistrado, quando este faz perguntas às testemunhas, como se fosse parte do processo”.

O criminalista Nelio Machado elogiou o resultado. “A decisão representa o retorno da corte aos princípios universais de respeito às garantias da Constituição, implicando no encerramento do espetáculo medieval das conduções coercitivas.” O advogado João Francisco Neto acredita que em breve outras violações também devem cair. “Cuida-se de notável derrota, dentre outras tantas que estão por vir, daqueles que se empolgam com métodos repressivos inovadores e sem amparo na lei”, avalia.

Professor de Direito Penal e Processual Penal, Daniel Gerber se mostrou espantando com os argumentos apresentados por aqueles que defendem a condução coercitiva para interrogatório. “Definitivamente, estamos em uma cultura punitivista e midiática. O discurso populista superou todas as mínimas garantias que um cidadão deve ter contra o Estado”, diz. Segundo ele, a possibilidade de prender alguém momentaneamente para escutá-lo é insustentável, seja do ponto de vista ético, seja do jurídico.

Prisões cautelares
Vera Chemim, advogada constitucionalista, faz um alerta. “A decisão poderá acarretar no aumento do número de prisões cautelares, entre elas, a ressurreição da prisão temporária, quando se fizer necessária à investigação ou ao processo penal, a menos que se criem outros mecanismos na seara processual penal que possam viabilizar a investigação e o próprio processo penal.”

Entendimento semelhante é o da criminalista Claudia Vara, do San Juan Araujo Advogados. “Preocupa a postura das instâncias ordinárias a partir de tal decisão, pois não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a substituição da condução coercitiva pela prisão cautelar, tendência essa que já foi verificada após a concessão da medida liminar pelo ministro Gilmar Mendes nos autos dessa ação, depois da qual houve expressivo aumento do número de prisões cautelares”, avalia.

Nathalia Rocha, do Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados, entende que a decisão não representa impunidade e não afetará os depoimentos já colhidos “Aos que temem a impunidade, é importante que se tenha em vista que as investigações penais não serão prejudicadas, pelo contrário, serão legitimadas pelo respeito a garantias constitucionais, sobretudo ao direito a não autoincriminação.”

Para Daniel Bialski, a decisão encerra uma ilegalidade que, segundo ele, era cometida com o objetivo de forçar uma eventual delação premiada. Everton Seguro reforça esse entendimento: “Acredito que a maioria dos casos na ‘lava jato’ e outras operações, com uso da condução coercitiva, teve o propósito de intimidar os acusados. Isso não mais ocorrerá após a decisão do STF.”

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