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Lei volta a proibir acordo em ação de improbidade, mas deve ser flexibilizada

Lei volta a proibir acordo em ação de improbidade, mas deve ser flexibilizada

6 de julho de 2016, 7h07

Por Felipe Luchete

O fim de uma medida provisória que tentava regulamentar acordos de leniência “ressuscitou” dispositivo da Lei de Improbidade Administrativa que impede qualquer transação, acordo ou conciliação nesse tipo de processo. A proibição, fixada no artigo 17 da Lei 8.429/92, chegou a ser revogada em 2015, mas acabou retornando ao ordenamento jurídico quando a MP 703 perdeu validade, sem aprovação no Congresso.

Na prática, porém, negociações entre acusadores e investigados podem continuar, pois há precedentes judiciais e correntes no Direito que reconhecem a prática mesmo com a lei. Na famosa operação “lava jato”, o Ministério Público Federal já fechou acordos de leniência com empresas investigadas na esfera cível. Em troca, prometeu que eventuais ações pediriam à Justiça Federal “apenas o reconhecimento declaratório dos atos de improbidade administrativa, sem aplicação de sanções”.

Em pelo menos um desses processos a estratégia foi aceita. A juíza federal Giovanna Mayer concluiu que, na época da publicação da Lei 8.429/92, “essa vedação até se justificava tendo em vista que estávamos engatinhando na matéria de combate aos atos ímprobos”. Atualmente, entretanto, ela disse que “tal dispositivo deve ser interpretado de maneira temperada”, pois não faria sentido proibir o MPF de usar instrumentos semelhados aos já adotados no campo penal.

A decisão foi proferida em novembro de 2015, em ação civil pública contra a Camargo Corrêa, executivos da empreiteira e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Em janeiro, o entendimento foi mantido pelo desembargador federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Em estudo para seu mestrado, o advogado Igor Sant’Anna Tamasauskas apontou que a inserção dessas cláusulas também foi reconhecida pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que analisa regras da instituição nas práticas de combate à corrupção, e pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em processo relacionado à operação sanguessuga — acusação de fraude a licitações para compra de ambulâncias, com dinheiro de emendas parlamentares.

“Deve-se levar em conta a medida da sanção e a sua finalidade de proteção do bem jurídico. O Estado abdicará de punir integralmente um dos infratores, aceitando premiá-lo, em troca de informações que auxiliarão na elucidação do fato. E a finalidade de qualquer processo é descobrir a verdade dos fatos para que o juiz possa aplicar a decisão mais justa no caso concreto”, diz a decisão.

No chamado “mensalão do DEM”, porém, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal rejeitou relativizar a Lei de Improbidade para beneficiar o delator Durval Barbosa, ex-secretário que gravou uma série de negociações que participou ao lado do então governador José Roberto Arruda (ex-DEM) e de outras autoridades. Para o TJ-DF, a delação premiada é um instituto específico do Direito Penal, inaplicável no âmbito civil.
Conselheiro da OAB-SP, Paulo José Iasz de Morais entende que proibir acordos é inconstitucional e viola o novo CPC.
Reprodução

Questionamento no STF

O advogado Paulo José Iasz de Morais, conselheiro estadual da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, enviou requerimento pedindo que a entidade mova ação no Supremo Tribunal Federal, para os ministros declararem a inconstitucionalidade do artigo 17, parágrafo 1º, da Lei 8.429/92.

Ele reconhece que já havia negociações antes da Medida Provisória 703, flexibilizando a norma, mas diz que é preciso retirar a “vedação absurda” do texto, inclusive para cumprir o novo Código de Processo Civil, que estimula audiências de conciliação para desafogar o Judiciário. Segundo o conselheiro, o dispositivo pode criar dúvidas até mesmo sobre a possibilidade de termos de ajustamento de conduta (TACs).

Para o advogado José Roberto Manesco, cujo histórico inclui defesa de clientes em uma série de ações de improbidade, seria importante que o Congresso aprovasse disciplina legal com “critérios objetivos” sobre o uso dos acordos nesse tipo de processo, “para não dependermos do humor de quem quer que seja”. Manesco afirma que permitir a negociação é “racional”, adotada em vários países do mundo.

Já tramita projeto de lei na Câmara dos Deputados (PL 5.208/2016) para mudar a Lei de Improbidade e permitir expressamente acordos de leniência nesses casos, “desde que haja efetiva colaboração com as investigações e com o processo judicial”. O cumprimento integral das cláusulas do acordo levaria inclusive à extinção de ações de improbidade em curso.

Mudança legislativa

O texto foi assinado pelo deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE, atualmente afastado para chefiar o Ministério da Defesa) com base em propostas assinadas por um grupo de juristas. Um dos autores, o promotor de Justiça Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, afirma que o projeto amplia o “caráter negocial” em processos e resolve problemas de insegurança jurídica da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013).
Promotor Roberto Livianu é um dos autores de proposta para regular acordos de leniência, seguindo a Lei Anticorrupção.

Ele afirma que ficou melhor o cenário jurídico sem a Medida Provisória 703, pois o texto determinava que a celebração de acordos de leniência levaria tanto à extinção de processos de improbidade como a proibição de novas ações.

Além disso, a regra reconhecia que a Advocacia-Geral da União e a Controladoria-Geral da União poderiam fechar acordos sem intermediação de membros do Ministério Público. “Como é possível ampliar o alcance de acordos numa questão em que o Ministério Público é legitimado para agir sem envolver o próprio MP? A medida acabou invadindo a esfera de outro poder”, afirma Livianu.

Felipe Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 6 de julho de 2016, 7h07

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