Caixa 2 e corrupção são fatos reprováveis, mas distintos
3. Fausto Macedo – SP (26/01/2017)
Caixa 2 e corrupção são fatos reprováveis, mas distintos
Pierpaolo Cruz Bottini*
26 Janeiro 2017 | 04h35
Advogado Pierpaolo Cruz Bottini. Credito: Nelson Jr/SCO/STF
O combate à corrupção ganhou as pautas do país. Antes assimilada como parte integrante do “jeito brasileiro”, e até tolerada, essa prática passou a ser vista sob uma outra perspectiva quando se notaram seus prejuízos econômicos e institucionais –em especial quando os valores envolvidos são direcionados a campanhas políticas, colaborando com a eleição daqueles que perpetuam tais atividades ilícitas, em um círculo vicioso perverso.
Por isso, naturais as reações ao caixa 2 e à corrupção nas eleições, na forma de protestos e de propostas legislativas que buscam endurecer as penas para tais condutas. No entanto, até para que o debate seja claro, transparente e produtivo, alguns conceitos devem ser compreendidos quando se trata de irregularidades no financiamento eleitoral.
Caixa 2 é a doação eleitoral não contabilizada. Todos os recursos transferidos às campanhas devem ser registrados, formalizados e informados à Justiça Eleitoral para controle de contas e avaliação da legalidade dos repasses. Por isso, receber dinheiro “por fora”, não declarado, é crime, previsto no art.350 do Código Eleitoral, com pena de até 5 anos de reclusão.
Dentre as 10 medidas contra a corrupção, apresentadas pelo Ministério Público Federal ao Congresso Nacional, há uma que trata do caixa 2. Não propõe sua criminalização –como se tem falado– porque a prática já é considerada delito. Mas sugere o aumento de pena e a extensão da punição ao doador dos valores não registrados, pois hoje apenas o beneficiário dos recursos –o candidato– responde pela ilicitude.
Essa prática é distinta da corrupção. Esse delito consiste em prometer/oferecer valores a funcionário público para que ele pratique determinado ato de ofício em benefício do corruptor. Da mesma forma, pratica o crime o servidor que solicita ou recebe esses recursos. Trata-se da venda do exercício da função, do ato de transformar a atividade pública em mercadoria. É o caso do guarda que deixa de multar ao receber dinheiro, do fiscal que deixa de autuar um estabelecimento pelo mesmo motivo. O ato negociado pode ser lícito ou ilícito, devido ou indevido. Não importa. Ao ser trocado por benefícios escusos, passa a ser objeto da corrupção. A pena será de 2 a 12 anos de reclusão e multa.
A sanção é maior daquela prevista para o caixa 2 porque a prática é mais grave. Uma coisa é receber dinheiro por fora para uma campanha eleitoral, outra é vender a atividade pública. Na primeira, o ato afronta sistemas de controle da Justiça Eleitoral. Na segunda, macula-se a credibilidade do serviço público, o prestígio da Administração que foi vendida, em regra seguido de prejuízo aos cofres estatais.
A diferença entre caixa 2 e corrupção não afasta a possibilidade de prática conjunta dos atos. É possível que o servidor público venda sua atuação pedindo em troca uma doação eleitoral para sua campanha –ou de terceiros– de forma não contabilizada. Nesse caso, haverá corrupção e caixa 2, e o agente responderá por ambos.
Mas são conceitos distintos –e reconhecer essa diferença é importante para qualificar os debates sobre o tema. Nem todo caixa 2 é corrupção, e vice-versa. Quando se trata de propor aumento de penas, por exemplo, o acréscimo deve ser proporcional à gravidade da conduta, levando-se em conta que o crime de caixa 2 –embora reprovável– é menos grave do que a corrupção e deve ter pena menor. Quando se fala em anistia, deve-se entender se o objetivo é extinguir a punibilidade do caixa 2 ou da corrupção. Embora qualquer projeto de perdoar crimes seja polêmico, a anistia ao primeiro e ao segundo não podem ser equiparadas. Extinguir penas de corrupção é significativamente mais contundente do que anistiar o caixa 2 (embora não se deva ler tal afirmação como a defesa de qualquer anistia).
Enfim, seja qual for a questão, deve-se ter por premissa que caixa 2 e corrupção são crimes distintos, que devem ser tratados de forma diferente, de acordo com sua gravidade. A confusão nessa seara embaralha os conceitos, afeta a proporcionalidade e dificulta qualquer programa de política criminal que se pretenda racional e eficiente.
*Pierpaolo Cruz Bottini é advogado