Análise: Questões de Ordem : Nuvens sobre a delação
Análise: Questões de Ordem : Nuvens sobre a delação
Marcelo Coelho – Colunista da Folha
23/06/2017
O objetivo, para dizer sem rodeios, era anular a explosiva delação de Joesley Batista. O Supremo Tribunal Federal, dedicou duas sessões, quarta e quinta-feira, para analisar o tema.
O governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, e Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor de Temer flagrado com uma mochila de dinheiro, mobilizaram-se para contestar o acordo entre o dono da JBS e o Ministério Público.
Haveria dois motivos para isso, segundo os advogados. Primeiro, Joesley era claramente o chefe dos esquemas de corrupção. E seria ilegal, pelas normas da delação premiada, livrar de processo quem é líder de organização criminosa.
Em segundo lugar, não caberia ao ministro Edson Fachin, do STF, aceitar o acordo. Seus poderes se resumiriam ao que acontece nas investigações da Lava-Jato, e as propinas da JBS nada tinham a ver com as irregularidades na Petrobras, tema daquela operação. O relator precisaria ser sorteado novamente.
Tudo agora é Lava Jato? Todo brasileiro agora vai ser julgado em Curitiba? E como é que o procurador-geral da República perdoa um grande criminoso, como Joesley? O advogado Cezar Bitencourt bufava.
Os ânimos esfriaram com a intervenção de Pier Paolo Bottini, advogado de Joesley Batista –evidentemente interessado em manter o acordo. Em menos de 15 minutos, ele colocou os pingos nos is.
Fachin poderia ser o relator do caso? Sim, porque não estava cuidando apenas de propinas na Petrobras. Assuntos conexos, como os serviços da gráfica Focal na campanha de Dilma, e irregularidades na Caixa Econômica, já tinham sido distribuídos a Fachin.
Será que, em vez de decidir sozinho, ele deveria submeter o acordo ao plenário do STF? A ideia não tinha cabimento. É o juiz individual quem autoriza, por exemplo, escutas telefônicas ou quebras de sigilo bancário. Um acordo de delação se inscreve nessa categoria, a dos recursos de investigação.
Foram aceitáveis os termos do acordo com Joesley Batista? Sim, argumentava Bottini: para não se tornar réu, ele ofereceu informações sobre as atividades de governadores, deputados, um senador e dois ex-presidentes da República, além de Michel Temer.
É legal, ademais, deixar de abrir processo contra o dono da JBS, pois ele não pode ser considerado chefe de “organização criminosa”. Se há quadrilha, não está voltada à produção de carne, mas sim a garantir o poder político nas mãos de PT, PMDB e associados.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fortaleceu esses argumentos. A colaboração ajudou até na elucidação de crimes em curso, e não apenas em casos passados…
Na hora de ler seu voto, o relator Fachin já tinha pouco a acrescentar.
Havia uma questão de fundo. Qual é exatamente o papel do juiz relator, quando “homologa” (aceita) o acordo de delação premiada?
É um procedimento formal. Cabe verificar, por exemplo, se a delação foi espontânea, se o delator contou com advogados, e se os benefícios propostos não ferem a lei. O conteúdo das informações –e nisso entra a própria autenticidade da gravação feita por Joesley– não é questionado nesse momento.
Quando o caso for finalmente julgado, aí sim se avalia a verdade do que disse o delator, podendo até haver anulação dos benefícios.
Foram exagerados no caso JBS? Nomeado há pouco por Michel Temer, o ministro Alexandre de Moraes deu um voto ilustrativo e erudito apoiando os termos da delação. A autoridade pública (no caso a PGR) tem poderes para negociar como achar melhor, desde que dentro do Código Penal.
Nesse ponto, Gilmar Mendes foi ao ataque. Se o delator já está livre de processo pelo acordo, em que momento os juízes irão avaliar se suas declarações foram verdadeiras ou não? Já nem haveria mais processo…
Ele citou, ademais, acordos do Ministério Público em que penas foram diminuídas a contrapelo do que permite a legislação.
Na sessão do dia seguinte, Luís Roberto Barroso comprou a briga: depois das críticas de Gilmar ao procurador-geral da República, elogiou a “coragem e a competência” de Janot. Era o terceiro voto apoiando a legitimidade da delação. Rosa Weber e Luiz Fux compunham a maioria, quando nova divergência se formou.
Para Fux, uma vez consagrado o acordo, o Judiciário não pode alterar os benefícios concedidos. Barroso, Alexandre de Moraes, Celso de Mello e Fachin acompanharam sua interpretação.
Nem todos os ministros quiseram se comprometer tanto assim. Os benefícios do acordo só podem ser efetivados, insistiu Gilmar, no julgamento final. Também Ricardo Lewandowski advertiu que, em casos extremos, um juiz tem o dever de revogar o trato.
Apesar dessa ressalva, que poderá ter efeitos relevantes no futuro, a delação de Joesley foi considerada válida pelo plenário. No caso, comentou Marco Aurélio, “o PGR fez bom negócio”. Se for possível mudar isso, “acabou”, resumiu Barroso.
O espaço para nuances nem por isso desaparece. Ficaram para a próxima sessão os votos de Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello.