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A contribuição de Teori Zavascki para o Direito Penal Econômico

1. Consultor Jurídico – SP (20/01/2017)

A contribuição de Teori Zavascki para o Direito Penal Econômico

20 de janeiro de 2017, 10h11

Por Pierpaolo Cruz Bottini

Nossas vidas não são também tão rápidas para se dissiparem na noite como uma mágoa de criança?

Patrick Modiano

Teori Zavascki merece nossas homenagens. Não apenas por sua trajetória ou pelo conteúdo de suas decisões, ou por seu conhecimento acadêmico. A maior qualidade do ministro era sua postura. Em tempos de pretensos heróis, em que agentes do sistema judicial fazem uso de microfones e vídeos para cruzadas diversas, Teori manteve sua serenidade e discrição, cumprindo com seu papel de magistrado com dignidade. Esteve a frente de casos difíceis, de repercussão nacional, e agiu com prudência. Falava nos autos, e apenas neles, consciente da gravidade das decisões judiciais e de suas consequências para as partes no processo.

A trajetória do ministro vai muito além da relatoria da “lava jato” ou de sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal. Na seara acadêmica, Teori era reconhecido por suas reflexões no campo do processo civil, em especial sobre ações coletivas e na seara da execução civil. Suas obras Processo de Execução: Parte Geral e Processos Coletivos são referências importantes, e as contribuições do ministro foram essenciais para a elaboração de projetos de lei sobre esses temas, enviados ao Congresso Nacional em 2004, e aprovados posteriormente.

No campo do Direito Penal Econômico, as decisões do ministro Teori sobre lavagem de dinheiro foram importantes para definir os contornos do crime e sua abrangência.

Ainda como ministro do Superior Tribunal de Justiça, Teori foi relator da Ação Penal 412. Em seu voto, o magistrado apontou que o delito de lavagem de dinheiro não se consuma com o mero recebimento ou posse de recursos de origem ilícita. É preciso mais. É necessário que o agente oculte os valores com a intenção de dar a eles uma aparência de licitude ou de legitimidade:
“No crime de “lavagem” ou ocultação de valores de que trata o inciso II do § 1° do art. 1º da Lei 9.613/98, as ações de adquirir, receber, guardar ou ter em depósito constituem elementos nucleares do tipo, que, todavia, se compõe, ainda, pelo elemento subjetivo consistente na peculiar finalidade do agente de, praticando tais ações, atingir o propósito de ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de quaisquer dos crimes indicados na norma incriminadora.

Embora seja dispensável que o agente venha a atingir tais resultados, relacionados à facilitação do aproveitamento (“utilização”) de produtos de crimes, é inerente ao tipo que sua conduta esteja direcionada e apta a alcançá-los. Sem esse especial elemento subjetivo (relacionado à finalidade) descaracteriza-se o crime de ocultação, assumindo a figura típica de receptação, prevista no art. 180 do CP” [1].

Ao voltar ao tema, no STF, Teori deixou mais clara ainda sua concepção ao votar nos embargos infringentes na AP 470 — o chamado mensalão. Em sua manifestação, apontou que, na lavagem de dinheiro, “a ação objetiva de ocultar reclama, para sua tipicidade, a existência de um contexto capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores. Embora conste da denúncia a descrição da ocorrência de crimes antecedentes (. ..), ela não descreve qualquer ação ou intenção do réu tendente ao branqueamento dos valores recebidos”[2].

Tal orientação foi corroborada pela maioria dos ministros do STF naquela oportunidade.

Com isso, ficou definido — ao menos até o momento — que lavagem de dinheiro não consiste no mero ato de esconder bens de origem delitiva. Aquele que enterra o dinheiro produto de crime, para gastá-lo posteriormente, não pratica lavagem de ativos, mas apenas exaure o crime antecedente. Para que o delito ocorra, é necessário demonstrar que aquela ocultação tem a intenção de conferir aos bens uma aparência de licitude, que o agente pretende reciclar os recursos, dar a eles uma roupagem de legalidade (por exemplo, simulando sua origem por meio de notas fiscais frias). Não é preciso que consiga ou alcance tal objetivo, mas é necessário que esse seja o escopo final da ocultação.

Dentro do mosaico de temas abordados pelo ministro Teori, essa peça referente ao Direito Penal Econômico mostra como a análise de temas complexos, por juízes serenos e dedicados, é fundamental para a segurança jurídica. Em um mar de interpretações possíveis, Teori indicou um caminho sensato, norteando os debates, elucidando dúvidas, esclarecendo imprecisões. Na atual crise institucional, são indispensáveis magistrados com essas características, que contribuam para fixar critérios e parâmetros sobre temas controversos.

Fica aqui essa pequena homenagem a um ministro que merece todo o respeito. Como homem, como acadêmico e como juiz.
1 STJ – Corte Especial – APn 472 – rel. Min. Teori Albino Zavascki – j. 01/06/2011 – DJe 08/09/2011, sem grifos.
2 Às fls.43 do Acórdão dos Sextos Embargos Infringentes da AP 470, sem grifos.
Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 20 de janeiro de 2017, 10h11

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