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2. Consultor Jurídico – SP (06/07/2017) Proposta de juiz negociar delação é retrocesso a modelo pré-Constituição de 88

2. Consultor Jurídico – SP (06/07/2017)

Proposta de juiz negociar delação é retrocesso a modelo pré-Constituição de 88

6 de julho de 2017, 7h05

Por Sérgio Rodas

Integrantes da comissão da Câmara dos Deputados que elabora projeto de reforma do Código de Processo Penal querem excluir o Ministério Público das negociações de acordos de delação premiada, informou a coluna Poder em jogo, do jornal O Globo. A ideia é que o juiz, por ser o responsável pela homologação do acordo e por fazer valer a maioria de suas cláusulas, fosse o responsável por negociar com investigados.

Mas, segundo especialistas no assunto ouvidos pela ConJur, a proposta viola os princípios do contraditório, da ampla defesa e da independência do MP. Se aprovada, a reforma representará um retorno ao sistema penal inquisitorial, em que se deve provar a inocência, substituído pelo sistema acusatório pela Constituição Federal.

Geraldo Prado, líder do grupo de juristas que prestam consultoria sobre o novo CPP, considera a ideia inconstitucional

O presidente da comissão especial do CPP na Câmara, deputado federal Danilo Forte (PSB-CE), afirmou ao Globo que o objetivo da alteração é “dar clareza” às delações. Segundo ele, o MP hoje “atua como se estivesse julgando, substituindo o juiz”. Só que o papel de promotores e procuradores não é esse, e sim o de defender interesses do Estado, diz.

Certo, o MP não tem poder de julgar ou de definir pena – uma crítica comum às delações premiadas. Mas o juiz também não pode, sem produção de provas e exercício do contraditório e ampla defesa, se antecipar e fixar a penalidade no acordo, avalia o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Geraldo Prado.

“É como se Sergio Moro recebesse proposta de acordo formulada por suspeito e interferisse nela, alterando parte de seu conteúdo, estabelecendo o que é pena cabível ou não, e depois julgasse o processo”, analisa Prado, professor de Processo Penal da UFRJ. “Isso não é papel do Judiciário. Se tiver esses poderes, ele voltará a ser o juiz acusador que a Constituição de 1988 quis expurgar.”

Esse modelo de magistrado contraria os princípios que há 30 anos o Brasil vem tentando fazer valer no processo penal, destaca o criminalista Pierpaolo Cruz Bottini. De acordo com ele, o juiz deve ser o destinatário das provas, e não ajudar a produzi-las, pois esta atividade influencia em seu julgamento.

O prejuízo ao criminoso confesso pode ser ainda maior quando o acordo de colaboração não for celebrado, ressalta Bottini, professor de Direito Penal da USP. Embora, nesse caso, as informações do delator não possam ser usadas no processo, é impossível que elas não tenham efeito sobre a convicção do juiz.

Proibição do STF

Já o secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República, Vladimir Aras, classifica a proposta de “absolutamente inconstitucional”, pois atribui ao magistrado funções do MP estabelecidas no artigo 129 da Constituição, como a de promover ação penal. Aras, que é professor da Direito Processual Penal na UFBA, também menciona que o Supremo Tribunal Federal já proibiu a figura do juiz inquisidor na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.570.

Vladimir Aras diz que a proposta vai na contramão dos CPPs da América Latina

Na ocasião, os ministros declararam que o artigo 3º da Lei 9.034/1995 contrariava o texto constitucional. O dispositivo permitia ao magistrado colher provas se houvesse risco de violação aos sigilos fiscal ou eleitoral do suspeito. Contudo, os integrantes do STF entenderam que a atividades de investigação são próprias do MP (artigo 129, I, VIII e parágrafo 2º, da Constituição) e das polícias Federal e Civil (artigo 144, parágrafo 1º, I, IV e parágrafo 4º, da Constituição). E ao exercê-las o juiz perde a imparcialidade, analisaram os ministros.

Se mesmo no modelo atual a independência do magistrado para julgar é afetada quando ele homologa acordo de delação premiada, a situação piora ainda mais com a proposta dos deputados, argumenta o advogado Antonio Pedro Melchior. O ideal, para ele, seria que um magistrado validasse o acordo e outro julgasse os processos decorrentes dele.

Sem esse cenário perfeito, o juiz deve se limitar a controlar a regularidade, legalidade e voluntariedade do compromisso (artigo 4º, parágrafo 6º, da Lei 12.850/2013), diz Melchior, que também é professor de Direito Processual Penal da UFRJ e auxilia deputados no projeto do novo CPP. No processo o juiz deve ser inerte, e apenas receber as provas e julgar com base nelas, analisa o advogado.

Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 6 de julho de 2017, 7h05

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