Skip to main content

Polícia cumpre ordens judiciais em inquérito contra advocacia predatória no RS

A operação policial “malus doctor”, deflagrada no último dia 8, no Rio Grande do Sul, cumpriu 74 ordens judiciais, sendo 35 de busca e apreensão. Dos 14 alvos da operação, nove são advogados e têm ordem de suspensão do exercício da advocacia em seus nomes. As outras cinco pessoas, totalizando 14, são familiares e pessoas próximas ao principal investigado. O prejuízo estimado é de R$ 50 milhões.

As notícias de crime que deram origem ao inquérito policial no qual os mandados foram cumpridos detalhavam um suposto esquema de ajuizamento de ações em massa com conteúdo fraudulento, com o objetivo de obter vantagem indevida.

Com base nos números alarmantes de ingressos de ações judiciais patrocinadas, sendo 112 mil no Rio Grande do Sul e mais de 30 mil em São Paulo, foram identificados processos de revisão de juros em empréstimos consignados, com causas de pedir similares, utilizando-se de procurações genéricas e possivelmente falsificadas, além do fatiamento de ações idênticas em diversos tribunais, na tentativa de indução do juízo a erro e retenção de valores de alvarás expedidos em nome dos clientes. A maior parte das vítimas são idosos e hipossuficientes.

A partir das investigações, verificou-se que a prática criminosa não se restringia ao escritório de advocacia, mas contava com a ajuda de familiares e pessoas vinculadas ao principal advogado investigado, sócias de empresas correspondentes de instituições financeiras e intermediadores de empréstimos e de associações de defesa de direitos sociais, que diziam atuar na defesa dos direitos dos consumidores, trabalhadores, aposentados e pensionistas do setor público e privado do Brasil.

modus operandi acima descrito é apenas uma das diversas formas de advocacia predatória, que pode ser classificado como um uso abusivo do Poder Judiciário, tanto pelo polo ativo como pelo polo passivo, sendo sua forma mais comum o ingresso reiterado e massivo de demandas artificias e fraudulentas, com o propósito de potenciar o resultado econômico de uma demanda e gerar/majorar honorários advocatícios.

Impacto da prática

Estudos realizados sobre os prejuízos da litigância predatória em relação à movimentação processual e à estimativa de custo para o erário, baseado em dados de 2016 e 2021, indicam que o fenômeno gerou cerca de 330 mil processos, com impacto de 2,7 bilhões reais por ao, além de custos indiretos para as partes. A nota técnica 1/2022, da Central de Inteligência de Minas Gerais, estimou em R$ 10.7 bilhões o custo para o Judiciário da tramitação de demandas abusivas, sendo que o recorte foi feito em apenas dois assuntos relacionados ao Direito do Consumidor no ano de 2020 [1]. Em recente pesquisa, constatou-se que o fenômeno atinge 30% das ações judiciais no país, sendo que, em cada dez ações, três são consideradas frutos de advocacia predatória.

O prejuízo calculado é da ordem de bilhões de reais [2].

Os dados são alarmantes e culminaram em uma maior regulamentação do assunto nos últimos anos, com a edição de Recomendações pelo CNJ (127/2022 e 129/2022) e as Diretrizes 7/2023 e 6/2024 pela Corregedoria Nacional, bem como a criação do Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede).

Mais recentemente, o CNJ aprovou a Recomendação 159/2024, que sugere medidas para identificação, tratamento e prevenção da litigância predatória no Poder Judiciário. O assunto também tem sido tratado cada vez mais pelo Poder Judiciário [3].

Vítimas

Nesse contexto, a deflagração da operação reafirma a preocupação e as diretrizes fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça na resolução. É hora de separar o joio do trigo. A utilização do nobre ofício da advocacia para a prática de ilícitos penais em prejuízo dos cidadãos e do Poder Judiciário deve ser repreendida, inclusive penalmente.

Em casos graves, nefastos e excepcionais, quando o exercício irregular da advocacia é utilizado para prática de crimes, a representação pela suspensão da atividade profissional dos investigados, além de outras cautelares necessárias no curso da investigação, é medida adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.

É adequada, pois idônea ao fim proposto de assegurar a aplicação da lei penal, garantir a investigação ou instrução criminal e evitar nova prática de infrações, atendendo à exigência do artigo 282, I, do CPP. É proporcional em sentido estrito, pois apropriada à gravidade do crime, das circunstâncias e condições pessoais dos investigados (artigo 282, II, do CPP). E necessária, por ser o meio menos gravoso, destinado justamente a substituir a providência cautelar mais grave, que seria a prisão preventiva (artigo 319, VI, do CPP).

[1] Os números constam do relatório divulgado pelo Núcleo de Monitoramento de Perfis e Demandas (Numopede), Biênio 2022/2023.

[2] aqui

[3] As ADIS 6.792 e 7.055, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, versam especificamente sobre a advocacia predatória contra jornalistas, consistentes em assédio judicial contra a liberdade de expressão; No julgamento da ADI 3.995, em que se discutia a constitucionalidade da fixação de depósito prévio como condição de procedibilidade da ação rescisória, os ministros ressaltaram a preocupação com um desequilíbrio na movimentação da máquina judiciária, de modo a inviabilizar a prestação jurisdicional com qualidade. Por isso, consideraram que exigir depósito de 20% para quem já litigou em todos os níveis, mais uma vez querendo “movimentar o judiciário”, desestimularia ações temerárias. Recentemente, o Recurso Especial nº 2.079.440/RO discutiu a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública que discuta a legalidade de cláusulas contratuais que versam sobre o montante de honorários advocatícios ajustados entre advogado e cliente para fins de ajuizamento de ações previdenciárias.

  • Igor SantAnna Tamasauskasé advogado formado na Faculdade de Direito da USP, mestre e doutor em Direito do Estado pela mesma universidade, vencedor do Prêmio Capes de tese em 2021, membro do Instituto dos Advogados de São Paulo, corregedor administrativo (2002-2003) e procurador geral (2003-2005), ambos do município de São Carlos, subchefe adjunto para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República (2005-2007) e autor dos livros Corrupção Política”(RT, 2019) e Acordo de Leniência Anticorrupção (Appris, 2021).
  • Natasha Hohlenwergeré advogada formada na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, mestranda em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, pós-graduada em Advocacia Criminal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-mai-12/operacao-cumpre-ordens-judiciais-em-inquerito-contra-advocacia-predatoria-no-rs/

back