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Especialistas defendem atenção à governança e à ética nas companhias

Evento do ‘Valor’ conclui que boas práticas são essenciais para confiança nas instituições e que período turbulento não deve enfraquecer ações

A discussão sobre o papel dos setores público e privado na governança e como lidar com questões éticas nas corporações em um momento de grandes questionamentos sobre algumas práticas foram os principais temas do Fórum Ética e Compliance, realizado pelo Valor na quinta-feira (26).

Com retrocessos vistos no mercado, as práticas de governança das empresas sofrem com desconfiança e frequentemente têm sua necessidade questionada. A visão de especialistas, entretanto, é de que um período turbulento não deve enfraquecer as ações, e que boas práticas são essenciais para a retomada da confiança nas instituições públicas e privadas.

Para Marcelo Trindade, advogado e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as empresas reagem ao estímulo, principalmente, do mercado e de governos. “Estamos em um momento de grande instabilidade nas duas demandas. Na demanda estatal, por uma boa governança e na preocupação com a ética, e do mercado, com o ESG como um todo, e pela ética, em particular.”

“Num mundo tão tumultuado, o Judiciário tem que garantir a dignidade, a cidadania, o pluralismo e o trabalho como valor”
— Cármen Lúcia

Trindade acredita que esse momento de turbulência vai passar, que as leis, ainda que em alguns casos estejam enfraquecidas, não foram revogadas. Como exemplo ele cita o caso do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), lei americana de combate à corrupção, que é alvo de questionamentos do presidente Donald Trump. Para ele, há um “desafio” a não se dar tanta atenção à governança neste momento. O advogado entende que é preciso agir com cuidado, mas que essa fase vai passar. “As leis estão aí, e a gente precisa continuar cumprindo essas normas.”

Na visão de Carolina Junqueira, diretora de riscos e compliance do Grupo Globo, as empresas podem ocupar esse espaço de retomada da confiança nas instituições. “A confiança é civilizatória, mas temos visto uma deterioração da confiança em instituições de maneira geral, não só no poder público”, afirmou.

Sendo uma área mais recente do direito, com parte do arcabouço de regras sendo aprovado há pouco mais de uma década, como o caso da Lei Anticorrupção, de 2013, a instabilidade da defesa dessas regras torna as boas práticas ainda mais desafiadoras.

“Diante de um cenário em que há alguns retrocessos, ter uma governança socioambiental dentro das empresas é fundamental para cristalização e incorporação dessas políticas, para incorporação dessas políticas na estrutura corporativa de fato”, defende Luiz Carlos Faria Jr, advogado da área de empresas e direitos humanos do escritório Tozzini Freire.

Nesse cenário das empresas sendo ativas na defesa e na aplicação da governança, a avaliação é de que as companhias estão preparadas para essa liderança. “As empresas estão preparadas, mas há espaço para algo melhor. Há espaço para uma governança melhor”, afirma Ricardo Lamenza, vice-presidente do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). A crença, inclusive, é de que a governança é a base para aplicação dos outros princípios do ESG, o social e o ambiental. “Sem o G [de governança], não há como discutir de maneira concreta os outros dois itens.”

Na esfera pública, para o funcionamento efetivo das boas práticas, um dos pontos de destaque é a necessidade de segurança jurídica. Para a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, em tempos de profundas transformações sociais e tecnológicas, a segurança jurídica está em manter o equilíbrio dos princípios que regem constitucionalmente todas as relações.

A ministra defendeu que o STF deve atuar com firmeza na proteção da Constituição, funcionando como garantidor dos direitos fundamentais.

“Num mundo tão tumultuado, tão conflituoso, em que as raivas e os ódios parecem tomar o lugar dos afetos, o Judiciário tem que garantir a dignidade, a cidadania, o pluralismo e o trabalho como valor – e não como castigo”, acrescenta.

No contexto empresarial, o advogado e professor Pierpaolo Bottini destaca que o avanço da ética nas organizações passa por dois eixos: o aprimoramento do marco legal e a reorganização cultural. “A partir de 2013, com a Lei Anticorrupção e a Lei de Organizações Criminosas, houve uma mudança de paradigma. As empresas passaram a ser responsabilizadas não apenas por atos diretos, mas também por omissões. Isso exigiu uma estrutura de compliance mais ativa e autônoma”, explicou. No entanto, ele alertou que a cultura ainda precisa acompanhar esse avanço. “Não adianta investir em sistemas formais se, na prática, a cultura interna tolera desvios.”

Para Marcela Grego, coordenadora de integridade e transparência do Instituto Ethos e coordenadora do grupo de trabalho sobre integridade socioambiental e mudanças climáticas da Controladoria-Geral da União (CGU), não é mais possível considerar uma empresa íntegra apenas por estar em conformidade com normas anticorrupção. “Hoje, uma empresa que tem casos de assédio, racismo ou violações ambientais não pode ser considerada íntegra. Precisamos de um novo paradigma, que una integridade à agenda de direitos humanos e sustentabilidade”, afirmou.

Flávia Moreira, juíza ouvidora do STF, defende que, para que se possa construir um futuro mais justo e inclusivo, é preciso se “reconciliar com a nossa história de opressão” – referenciando-se à ditadura, escravidão, racismo e patriarcado. Ela defende que a equidade só será possível com instituições comprometidas com diversidade e reparação histórica. “Não tem como construir um caminho ético sem dar espaço aos grupos subalternizados.”

Ricardo Wagner de Araujo, diretor de governança e conformidade na Petrobras e auditor da CGU, reforçou a importância da colaboração entre os setores. Para ele, não adianta a existência de leis, normativos e órgãos com grande capacidade de repressão se não houver um compromisso ético dentro das organizações. “É preciso sinergia entre o público e o e o privado”, disse.

Ainda com relação ao papel do poder público na governança, a ministra Cármen Lúcia afirmou não ver problemas na instituição de códigos que deem mais transparência ao Judiciário.

Na segunda-feira, a seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) instalou uma comissão para debater uma reforma ampla do Poder Judiciário. A comissão pretende debater temas como mandatos para os ministros no STF, taxas e custas do Judiciário, foro por prerrogativa de função e código de conduta para magistrados.

Perguntada sobre o tema, a ministra disse considerar legítima a proposta de estabelecer regras mais claras para reforçar a imparcialidade. “Essas discussões são importantes. Se nós já temos essa obrigação, ter um código de ética, para mim, é um dado a mais.”

Carmen Lúcia ainda defendeu o fortalecimento da transparência, inclusive em atividades extrajudiciais. “Cada vez mais a publicidade, a transparência se fazem necessárias para que as pessoas possam confiar integralmente no seu país.”

Em palestra no encerramento do evento, o economista Eduardo Gianetti defendeu ainda que, para além das regras, é preciso uma mudança de comportamento para que as regras de governança sejam respeitadas por todos nas organizações. Para isso, ele vê a necessidade de uma “liderança legítima” que funcione como referência.

“É a liderança que se legitima e que consegue mobilizar e permitir uma autonomia responsável por parte de todos aqueles que pertencem ao grupo”, detalha. “O desafio que está colocado para a governança, e que está sempre se renovando, é garantir essa mobilização e a criação de um espaço de autogoverno para que cada membro da organização possa se sentir autorizado a tomar decisões, a fazer melhor as coisas que está fazendo por vontade própria. Sabendo que aquilo também redunda evidentemente em algum tipo de conquista que será compartilhada.”

O Fórum Ética e Compliance tem patrocínio da Ambipar e apoio do Grupo Globo.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/06/27/especialistas-defendem-atencao-a-governanca-e-a-etica-nas-companhias.ghtml

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