Skip to main content

“É incontestável que jovens de 16 a 18 anos têm capacidade de reconhecer a gravidade de um homicídio ou de um roubo. Mas a questão aqui não é saber se tal capacidade existe ou não, mas identificar qual a resposta mais adequada que o Estado deve dar aos adolescentes autores de atos infracionais. Será a política mais racional reuni-los aos adultos condenados, nas mesmas penitenciárias?”

POR PIERPAOLO CRUZ BOTTINI

Revista Jurídica – 15/05/2013

A recente a trágica morte de um jovem, em decorrência da violência praticada por outro, deu ensejo a inúmeras manifestações pelo endure­cimento da lei em relação aos adolescentes em conflito com a lei. Propostas de redução da idade penal ou do agravamento de medidas repressivas voltaram à pauta, aplaudidas pela maioria absoluta da população. É compreensível a revolta com tais crimes e correta a exi­gência para que as autoridades fixem diretrizes de política criminal adequadas para impedir ocorrências similares.

No entanto, não parece que a proposta em discussão seja a mais adequada para a redução da violência. Em primeiro lugar, porque não existem dados que mostrem ser a apli­cação da “pena de adultos” útil para reduzir o número de adolescentes em conflito com a lei. Estatísticas do Ministério da Justiça revelam que são cerca de 140 mil os presos de 18 a 24 anos, sendo esta a faixa de idade com maior representação nos presídios brasileiros.

Ou seja, a aplicação do Direito Penal normal não impediu ações delitivas por parte desses jovens. Ao contrário, os dados demonstram que a prática de crimes é maior nesta faixa (18 a 24 anos) do que entre aqueles que contam com 16 a 18 anos. Este último grupo representa 10% do total dos autores de atos infracionais, índice menor do que a média pesquisada pela ONU em 55 países (11,6%), como aponta o Sociólogo Tulio Kahn.

Ainda no plano internacional, um estudo da Unicef de 2007 revela a grande diversidade de idades penais previstas na legislação de diferentes países, indicando locais com grande criminalidade de  jovens com idade penal baixa e outros com reduzidos níveis de violência e previsão de imputação com 18 ou até 20 anos. A Noruega apresenta idade penal maior do que a Rússia, e nem por isso os índices de delinquência juvenil no primeiro são maiores do que no segundo país.

Isso significa apenas que o enfrentamento da agressividade adolescente não depende de respostas maniqueístas ou simples. Fosse o remédio para a violência a mágica da redução da idade penal, o problema estaria mundialmente superado. Porém, não é factível acreditar que com tal medida o jovem autor de ato infracional deixará de lado seu comportamento agressivo. Esta suposta racionalidade não existe. A decisão de cometer atos violentos (roubos, estupros, lesões corporais) é muito mais complexa do que um mero cálculo da possibilidade de pena.

Mas, ainda que assim o fosse, devemos deixar de lado o mito de que as medidas para adolescentes são brandas. Para eles, a lei prevê privação de liberdade por até três anos, nos casos mais graves, sem os benefícios da progressão automática de regime existentes para os adultos. Pode-se achar pouco, mas vale lembrar que, em regra, adultos cumprem três anos de completa segregação somente em casos de con­denações à pena igualou superior a 18 anos. Em suma, há situações em que as medidas aplicadas aos jovens são até mais duras do que a pena destinada aos maiores de idade. Então, por que não unificar as sanções para adultos e adolescentes, ainda mais diante da constatação de que as vítimas têm plena consciência do significado de seus atos? A resposta não parece complexa. É incontestável que jovens de 16 a 18 anos têm capacidade de reconhecer a gravidade de um homicídio ou de um roubo. Mas a questão aqui não é saber se tal capacidade existe ou não, mas identificar qual a resposta mais adequada que o Estado deve dar aos adolescentes autores de atos infracionais. Será a política mais racional reuni-los aos adultos condenados, nas mesmas penitenciárias? Será realmente a solução para o fim da cri­minalidade praticada por jovens submetê -los ao mesmo sistema fracassado construído para”ressocializar” os maiores de idade, que apresenta índices de reincidência de 70%?

Ou será mais consistente uma reforma séria nas medidas socioeducativas, garantindo-se que o adolescente sofra uma reprimenda pelo ato, mas também receba urna atenção voltada à sua formação, com cursos de capacitação e uma política de ressocialização específica para alguém em desenvolvimento?

Evidente que o adolescente em conflito com a lei deve responder pelo que faz, e ninguém prega a complacência com seus atos.Mas a solução é organizar tal resposta estatal de maneira eficiente, fortalecendo sua capacidade de habi­litar este adolescente para a vida social, com a internação em unidades menores e próximas à família. A experiência dos NAis, programa de pequenos centros de ressocialização de adolescentes em cidades do interior, que contavam com a integração de Judiciário, Ministério Público e Poder Executivo, mostrou que é possível a reintegração do ado­lescente autor de ato infracional à sociedade. Os índices de reincidência eram tão baixos que a prática ganhou o Prêmio lnnovare, por ser exemplo de política bem-sucedida. No entanto, tal projeto foi desestruturado pelas mesmas auto­ridades que pregam a descrença no jovem e o incremento das medidas socioeducativas que lhes podem ser aplicadas.

Aumentar a restrição de liberdade e direitos será mais do mesmo, não resolverá o problema. Apenas jogará mais água no moinho da reincidência e, consequentemente, aumentará a violência a médio prazo.

Enfim, responsabilizar o sistema penal pelos trágicos acontecimentos recentes é politicamente fácil, mas não resolve o problema. Para usar expressão resgatada por Ruy Castro1, trata-se de uma”falsa boa ideia”, de aparência encantadora, mas de efeitos pífios, senão contraproducentes.

NOTA

1 Em coluna publicada no jornal Folha de S.Paulo de 12 de abril de 2013.

PIERPAOLO CRUZ BOTTINI é Advogado. Professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP).  Foi membro do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Secretário de Reforma do Judiciário do mesmo órgão.

STJ anula provas solicitadas ao Coaf sem autorização judicial

Com a anulação, continuidade das ações será avaliada pelos juízos de 1ª instância. 6ª turma […]

READ MORE

STJ anula provas solicitadas pela PF ao Coaf sem autorização judicial

Decisão determinou o desentranhamento de provas derivadas de solicitação irregular A 6ª turma do STJ […]

READ MORE

STJ anula prisão por tráfico após analisar câmeras corporais da PM e identificar confissão sob tortura; veja vídeo

A análise das câmeras corporais de dois policiais militares de São Paulo levou o Superior […]

READ MORE

Juiz arquiva inquérito contra Serra, Marta e Mercadante por caixa 2

Decisão eleitoral considera delação de Adir Assad como insuficiente para sustentar as acusações. O juiz […]

READ MORE

Livro que homenageia ex-ministro Márcio Thomaz Bastos é lançado em SP

O livro “O Ministro que Mudou a Justiça: Márcio Thomaz Bastos”, com prefácio do presidente […]

READ MORE

Indiciamentos de Bolsonaro e aliados serão remetidos à PGR; advogado criminalista analisa

Em entrevista ao Grupo Jovem Pan, o advogado criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, professor de direito […]

READ MORE

Bolsonaro indiciado na trama do golpe

O podcast Café da Manhã da Folha de S.Paulo desta sexta-feira (22) discute o que […]

READ MORE

TRF-3 mantém nulidade de interceptação em caso de venda de vagas de Medicina

Colegiado reiterou que a interceptação telefônica é recurso excepcional, exigindo embasamento sólido e indispensabilidade. O […]

READ MORE

Criminalista vê colaboração de Bolsonaro em plano de golpe

Para o advogado Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal da USP, há, ainda, indícios consistentes […]

READ MORE

Condenação de jornalista expõe ‘zona cinzenta’ da liberdade de expressão, na mira do STF

Julgamento na corte sobre tema trata de limites frente a outros direitos; para especialistas, falta […]

READ MORE

OAB precisa colocar mais limites no uso da IA, alerta advogado Igor Sant’Anna Tamasauskas

Legisladores, especialistas e representantes do setor jurídico discutiram os impactos da inteligência artificial em um […]

READ MORE

USP debate exclusão social no Direito Penal em nova disciplina

A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) oferecerá, a partir do ano que vem, […]

READ MORE

‘O Brasil já se encontra num estágio de máfia, ‘alerta secretário de Segurança sobre avanço de facções

Em entrevista ao Estadão, Mario Luiz Sarrubbo revela preocupação das forças policiais e do governo […]

READ MORE

Lançamento do livro “Constituição, Democracia e Diálogo – 15 Anos de Jurisdição Constitucional do Ministro Dias Toffoli”

O evento de lançamento do livro “Constituição, Democracia e Diálogo — 15 Anos de Jurisdição […]

READ MORE

Fórum Internacional Roma | 150 anos da imigração italiana no Brasil 

Pierpaolo Cruz Bottini, advogado criminalista e professor de Direito Penal da USP, participou nesta sexta-feira […]

READ MORE
Categories
back