Skip to main content

Prevenção é o novo caminho para lidar com crises de reputação

Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2018

Por Pierpaolo Cruz Bottini e Marcela Rocha

A forma como empresas, empresários e administradores públicos lidam com crises de reputação mudou. Especialmente quando a origem do problema está em processo ou investigação criminal. Antes, reagia-se. Agora — cada vez mais — antecipa-se. Previne-se. A orientação é antever cenários e os possíveis embates para evitá-los — seja ajustando condutas ou colaborando com a Justiça.

A tática era a de negar a autoria, justificar a legalidade dos atos ou apontar nulidades. Advogados, administradores e gestores de crise entravam em campo para contraditar e encontrar fragilidades nas imputações. Essa opção, no entanto, nem sempre é eficaz. Às vezes, de nada adianta comprar um extintor com a casa já em chamas. Para neutralizar a chance de uma crise, é preciso prevê-la.

Aqui entra o compliance: identificar possibilidades de problemas no funcionamento de uma empresa ou negócio, que possam gerar responsabilidades administrativas ou criminais — e implementar políticas e contramedidas para minimizar sua ocorrência. Diminuir riscos. A prevenção, e não a absolvição, deve ser o foco. Ao informar que adota políticas de integridade corporativa, a empresa comunica ao mercado e stakeholders que suas relações são orientadas por regras que asseguram uma conduta ética e transparente. Adaptar-se a um ambiente de negócios cada vez mais rigoroso, pautado por sofisticados controles e humores institucionais menos previsíveis é uma obrigação da moderna gestão corporativa. Há quem sustente que a adoção de prevenção ou de integridade não é necessária quando a empresa e seus dirigentes são pautados pela ética e não incentivam práticas criminosas. Se a cúpula da instituição não admite atos ilícitos, não haveria razão para a implementação de mecanismos de compliance. A ponderação é razoável quando se trata de empresas pequenas, de atividades simples, em setores pouco normatizados. Mas, no caso de empresas maiores, onde parte substancial das atividades é delegada a empregados ou terceirizados, que atuam em setores altamente regulados, a mera determinação de “não cometer crimes” pode ser insuficiente.

Uma complexa operação financeira ou a realização de grandes obras envolve inúmeros profissionais e departamentos. Cada qual com ciência parcial do processo, de forma que o descumprimento de normas acauteladoras pode ocorrer em cadeia. Afinal, a compartimentalização dá a poucos agentes a percepção total do contexto. E, ainda assim, sem a completa identificação dos riscos. A divisão de responsabilidades multiplica os riscos penais. Nessa seara, a responsabilidade por omissão, por imprudência ou por dolo eventual assombra dirigentes e executivos.

O caso Arthur Andersen é um excelente exemplo. A empresa de auditoria, uma das “big five” do mercado, tinha quase 90 anos de história e 85 mil empregados no mundo todo, quando estourou o caso de fraude nos balanços da Enron, no fim de 2001. A Arthur Andersen, que auditava o balanço da distribuidora de energia, foi acusada de obstrução de justiça, sofreu o linchamento público, perdeu a credibilidade e com ela foi-se também o registro para atuar nos EUA. A auditora quase faliu. Anos depois a Suprema Corte derrubou a condenação. A avaliação antecipada dos riscos de responsabilidade e reputação que envolvem determinada atividade, o desenvolvimento e implementação de políticas de contenção e de integridade passam a ser imperativos, além de serem soluções mais econômicas do que remediar uma crise reputacional.

Exercer a defesa em uma ação criminal ou de improbidade, e restaurar a reputação de uma empresa ou de uma pessoa, no longo prazo, é mais custoso do que a prevenção do ilícito. Uma denúncia, um processo, ou um inquérito policial podem afetar significativamente a percepção que se tem de uma companhia. Mesmo havendo absolvição posterior nos tribunais, o dano à imagem já está causado e pode ser irreparável. Vale a pena pagar para ver? As experiências recentes mostram que não.

Num mundo em que a ética não é uma escolha, mas uma premissa, uma política de correção e prevenção, que corrija eventuais erros do presente e impeça a prática de ilícitos no futuro, comprometida com a detecção e correção de eventuais irregularidades, é o melhor caminho. Ele garante segurança institucional e crescimento sustentável, preservando a imagem da empresa, de seus executivos e a sobrevivência do negócio.

Pierpaolo Cruz Bottini é advogado, sócio do escritório Bottini e Tamasauskas e professor livre-docente de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.

Marcela Rocha é jornalista pela PUC-SP e consultora de comunicação jurídica.

back