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“Leniency agreements are important for Brazil to find the transition path”

8 de julho de 2018, 9h17

Por Pedro Canário

O Brasil precisa se reconciliar com seu próprio passado para que possa encontrar formas de olhar para frente e superar a pauta da corrupção. Uma das chaves para isso, na opinião do advogado Igor Tamassausskass, está nos acordos deleniência.
Eles são uma grande oportunidade para empresas sentarem à mesma mesa que o governo para discutir
formas de resolver problemas causados pelos malfeitos de seus funcionários e executivos. E, mais importante, continuar funcionando, gerando empregos, pagando impostos e desenvolvendo a economia do país.
A Lei Anticorrupção, que previu esse tipo de acordo pela primeira vez, é recente: foi aprovada em 2013, depois de mais de dez anos de tramitação, no susto das manifestações de junho daquele ano. Pouco tempo depois a
operação “lava jato” tomou conta da pauta política do país e diversas das maiores empresas do Brasil começaram a ser acusadas de financiar um sistema corrupto de perpetuação no poder.
Tamasauskas considera natural que diversos órgãos disputassem o protagonismo na condução dos acordos responsáveis por revelar como alguns setores da economia brasileira fazem negócio. Foi o que aconteceu: a
lei dá à Controladoria-Geral da União a competência para os acordos de leniência, mas tanto o Ministério Público Federal quanto o Tribunal de Contas da União editaram normas internas para se autorizar a participar
dos processos.
Ao mesmo tempo, o governo passou a usar a Advocacia-Geral da União para acusar as empresas que fecharam acordos com o MPF de improbidade administrativa e cobrar multas bilionárias.
O resultado foi a inviabilização de alguns acordos. Mesmo os que foram assinados nos termos da lei, como o da construtora UTC, hoje esbarra nas exigências do TCU. Igor Tamasauskas parece ter encontrado a fórmula para
navegar no meio dessa disputa, que passa justamente por envolver todos os órgãos e instituições na mesma negociação.
“Se esses órgãos se dizem competentes, eles têm que participar das negociações.” Foi por causa dessa postura, garante o advogado, que ele e sua equipe conseguiram costurar o acordo de leniência da agência publicidade
MullenLowe Brasil, o primeiro a envolver o MPF e todas as agências do governo, além do TCU.
Pelo acordo, a empresa pagará R$ 53,1 milhões aos cofres públicos. O dinheiro é a devolução dos lucros de todos os contratos assinados pelo exdiretor da agência Ricardo Hoffmann, além de uma multa. Hoffmann foi descoberto durante as investigações da “lava jato” e já foi condenado por corrupção por causa desses contratos – na mesma fase da operação foram presos os ex-deputados André Vargas (PT-PR) e Luiz Argôlo (SDD-BA).
Nesta entrevista à ConJJur, o advogado Igor Tamasauskas conta alguns detalhes do processo de negociação do primeiro – e até agora único – acordo de leniência a envolver todas as autoridades federais competentes.
Leia a entrevista::

ConJur — Como foi esse processo de negociação com diversos órgãos ao mesmo tempo?

Igor Tamasauskas — Procuramos a CGU para dizer: “olha, tem uma pessoa que fez coisa errada em nome da agência e a agência vai assumir a responsabilidade. Já estivemos no Ministério Público Federal, queremos
resolver nossa vida com as autoridades, OK?” “OK”. Começamos a discussão com o MPF sempre deixando a CGU a par do que estava acontecendo. Isso levou cinco meses com o MP, desde a investigação interna, dar detalhes do
que tinha achado, que tipo de prova seria encontrada, a ordem em que tínhamos colocado a documentação, para mostrar efetivamente o que tinha acontecido. O MPF se convenceu que era caso de acordo, passamos para a
fase de discussão de valores.

ConJur — Demorou, então,, com as agências do governo?

Igor Tamasauskas — O processo demorou na discussão entre CGU e AGU. Com o MPF foi rápido. As negociações com a CGU foram e voltaram porque, se não me engano, foram seis ministros diferentes, houve o impeachment, nomeio do caminho a AGU se entendeu competente para participar das negociações – houve uma evolução na compreensão do governo de que só se consegue fazer acordo com fins judiciais se a AGU participar.
O TCU, também no meio do caminho, baixou resolução falando que como há autoridades públicas decidindo sobre valores do Tesouro, também tem atribuição para fiscalizar como são feitas essas negociações. Em todas as
etapas, a CGU nos consultou para saber se concordávamos com a participação da AGU, do TCU etc. Não temos escolha: se esses órgãos estão se dizendo competentes, temos que aceitar. Tudo o que foi identificado
colocamos à disposição para esclarecer quem quer que fosse. Nossa pauta sempre foi muito respeitosa em relação a isso, de entender o tempo da administração. Demora porque é uma lei nova, os órgãos precisam saber como ela se aplica e não podem pensar só no caso concreto, porque pode impactar outros casos.

ConJur — Como foi o primeiro contato? A empresa é que identificou as irregularidades e foi até os órgãos, ou houve algum inquérito antes?

Igor Tamasauskas — Tinha acontecido uma busca e apreensão na sede da empresa, em abril de 2015. Mas a busca tinha como alvo um diretor da empresa, não a própria empresa. A Lowe, então, foi ao MPF e disse que tinha sido surpreendida, que os fatos não compactuam com seus valores e gostaria de cooperar para resolver essa situação. Aí foi feito um cálculo do dano ao erário, uma multa, e chegou-se ao valor de R$ 50 milhões. Fomos à
CGU e aproveitamos uma ida da pasta a Curitiba para uma reunião com os investigadores da “lava jato”. Pedimos para participar por 15 minutos, para explicar as negociações. No dia 16 de outubro de 2015, fechamos um acordo
com o MPF.

ConJur — Vocês entendem que conseguiram contribuir com esse processo de amadurecimento insstitucional?

Igor Tamasauskas — Obviamente dávamos opinião, mas o que sempre se procurou fazer foi construir uma ideia com todos os atores. Não dá para dizer se veio de A, B ou C, mas a ideia foi a de construir um “acordo espelho”
com os diversos balcões. Primeiro fechamos com o MPF e depois com os outros órgãos. Basicamente, foi explicar que não seria possível que cada órgão exigisse um tipo de reparação, uma multa diferente. Não se pode
punir diversas vezes pelo mesmo fato, então se você acertou uma multa com aquele órgão, a punição deve se repetir nos demais – isso é em relação à punição, não ao ressarcimento. No caso da Mullen Lowe, os R$ 50 milhões já
envolvem ressarcimento e multa.

ConJur — Como se chegou a esse valor?

Igor Tamasauskas — Chegamos a um critério que se chama disgorgement, que a literatura norte-americana até critica. É uma espécie de regurgitação dos lucros ilegais.

ConJur — Por que critica?

Igor Tamasauskas — A literatura considera esse método pouco preciso. Mas é o cachorro correndo atrás do próprio rabo: o Estado não teria conhecimento do esquema em detalhes se não tivesse a colaboração da empresa, e só tem a colaboração se o cara conseguir pagar a multa e o ressarcimento estabelecidos. Não faz sentido assinar um acordo que a empresa depois não possa pagar.

ConJur — Como funciona essa regurgitação?

Igor Tamasauskas — É o seguinte: para fazer aquele objeto contratado, você precisa fazer investimentos, contratar gente, pagar contas de luz, água, internet, gastos que qualquer empresa que estivesse ali teria de fazer. Mas o
lucro seria indevido porque foi obtido mediante alguma ilegalidade. A partir dessa conta, a empresa devolve os valores do lucro. Optamos por esse método porque contratos de publicidade sempre são pela melhor técnica.
Ou seja, todas as empresas que tiverem um contrato com a administração receberão o mesmo valor, o que muda são os critérios técnicos. Mas o importante foi que esse racional de cálculo foi aceito pelo MPF, pela CGU, pela AGU e pelo TCU – pelo Estado brasileiro.

ConJur — Esse valor não é baixo? Pelo menos o que se divulga é que os contratos de órgãos públicos com agências são multimilionários..

Igor Tamasauskas — É que nesse bolo vem o dinheiro da veiculação. Esse dinheiro só passa pela agência, mas vai direto para a mídia onde vai ser veiculado o anúncio. O que fica com a agência é só a criação. Os contratos de
publicidade são astronômicos por causa dessa verba de veiculação. Se o cálculo da multa fosse feito com base no valor cheio do contrato, mataria a empresa. Explicamos de maneira bastante consistente às autoridades que
uma coisa é o dinheiro que a agência recebe para sua atividade-fim e outra é uma verba de repasse, paga por meio da agência talvez por uma facilidade de execução. As autoridades entenderam isso, mas de fato foi um problema
no início. Olhavam para o valor do contrato e diziam: “Bom, se vocês faturaram isso com o contrato, queremos 20%”. Mas 20% já era muito maior do que o contrato inteiro, se excluída a verba de veiculação.

ConJur — Por que negociar com todos ao mesmo tempo,, e não fazer como as demais empresas fizeram? Isso não atrasou ainda mais a conclusão do acordo?

Igor Tamasauskas — Foi uma decisão de respeitar todos os órgãos. Sabemos que tem dificuldades, a lei é nova e traz uma política nova de resolução de conflitos de corrupção no Brasil. Por mais que o acordo tenha demorado três anos para ser assinado, foi mais rápido que uma decisão final num processo de improbidade. Quando você delega para um terceiro decidir por você, a decisão pode ser boa ou pode ser horrorosa. Negociando, você consegue analisar os riscos e dar mais previsibilidade ao processo – por mais que seja uma solução intermediária e nem sempre a melhor para
você. Para as empresas isso é muito importante, porque elas conseguem fazer o cálculo do custo econômico.

ConJur — Ninguém havia conseguido fechar esse tipo de acordo ainda. O da Mullllen Lowe foi o primeiro,, mas não foi seguido de outros. Em diversos acordos houve alguma discussão sobre o valor da multa ou do ressarcimento, especialmente por parte do TCU.

Igor Tamasauskas — A primeira coisa que notamos é que a legislação éindica claramente que a CGU é competente para fazer os acordos. Só que o Brasil tem uma sobreposição de uma série de agências para fazer a mesma coisa, uma concorrência de atribuições. A lei dá competência à CGU, só que o Ministério Público tem competência constitucional para esses temas. Portanto, você não pode correr só na CGU e deixar o MP de lado, resolver a
situação numa ponta e deixar a outra descoberta. Da mesma forma não podemos falar para um órgão de 200 anos como o TCU e dizer que ele não pode participar. Não tem como excluir a AGU, um órgão que nasceu com a
Constituição a partir de um braço do Ministério Público. O papel de quem costura um acordo com todas essas agências é esse mesmo.

ConJur — O problema que se aponta é que foi o próprio TCU quem se deu essa atribuição.

Igor Tamasauskas — Mas buscou inspiração na Constituição, e não acho que esteja errado. Imagina uma dessas situações escandalosas envolvendo valores astronômicos, e o acordo é fechado por R$ 1. Imagina se ninguém
pudesse questionar? A função do TCU é saudável nessa história. É preciso filtrar eventual pressão que possa acontecer. Nunca presenciei nenhuma situação em que houvesse alguma pressão para que o acordo não fosse
assinado, mas seria o caso de afastar a autoridade, não o órgão inteiro. A mensagem que o caso da MullenLowe passa é esta: se a autoridade atuar com desvio de finalidade, ela deve ser afastada do caso; mas não podemos
afastar o órgão.

ConJur — Como fizeram para convencer a empresa a ser a primeira a tentar esse acordo coletivo?
Igor Tamasauskas — Quando percebemos a sobreposição de competências, recomendamos ao cliente que fechasse todas as pontas, para que as revelações não fossem usadas contra a empresa depois. Fomos lá explicando que a lei é nova, que isso nunca tinha sido feito antes, preparamos uma tabela para mostrar os parâmetros de valores… A empresa é controlada por um grupo estrangeiro, então precisávamos mostrar tudo para o advogado lá de fora, para que ele entendesse o que estava acontecendo. Engraçado é que o diretor jurídico brasileiro falava “essa história de ‘acordo espelho’ é um unicórnio, não existe”, mas conseguimos demonstrar que havia a sinalização de que esse era o caminho mais seguro, respeitando a atribuição de todos os órgãos e o que cada um tinha a contribuir nesse
processo. Sempre apostamos na ideia de construção de um entendimento.b Agora, óbvio que não sou inocente: sempre pode haver uma ou outra autoridade que use da posição técnica para se contrapor à ideia da
colaboração.

ConJur — O argumento do MPF é justamente o de que o governo vem usando de suas instituições para inviabilizar esses acordos e impedir que as informações reveladas sejam usadas contramembros do governo.. Pelo menos foi o que alegaram quando pediram ao juiz Sergio Moro que proibisse o uso de provas dos acordos de leniência.. Diversos advogados e até empresários concordam com isso.

Igor Tamasauskas — Não tenho como falar se era essa a intenção do governo ou não. O dado objetivo é que provas produzidas em colaborações estavam sendo usadas contra as próprias empresas. Isso é incompatível com o princípio da colaboração. Já dei entrevista à ConJJur dizendo que tinha achado boa a decisão do Moro [que proibiu a vários órgãos usar delações contra os próprios delatores. Continuo achando. É inadmissível que o Estado use contra empresas provas fornecidas por ela ao próprio Estado. Mas esse tipo de freio de arrumação faz parte do processo de amadurecimento do sistema. A função de quem está bem-intencionado na aplicação da Lei Anticorrupção é buscar
alternativas para atingir o fim maior dela, que é a colaboração efetiva que permita conhecer como nunca se conheceu a profundidade dos esquemas de corrupção no Brasil. É ressarcir o erário e punir efetivamente quem se portou mal. E punir não é matar. Se for para matar, melhor deixar que um juiz decida se é o caso ou não de extinguir uma empresa.

ConJur — A impressão é que alguns órgãos não têm interesse em
negociar,, apenas em punir.

Igor Tamasauskas — O Estado não pode se fazer de vítima. O Estado brasileiro participou desses desvios. Há obras e obras descrevendo o patrimonialismo do Estado brasileiro. Ele permitiu que as coisas chegassem nesse ponto. É preciso entender que os órgãos estatais têm sua parcela de culpa. O eleitor, quando escolhe seus representantes, também. Isso precisa ser resolvido. O Estado não pode, agora, posar de vestal e querer aplicar todo o peso de
uma lei que foi pensada para hoje a fatos da década passada. É preciso encontrar um meio-termo, uma forma de transição para um mundo um pouco mais de acordo com os valores de hoje da sociedade. Essa é a função
que esses acordos têm e essa deve ser a função do advogado, do gestor público e de quem for aplicar a lei. Justamente para que a gente possa sair dessa encruzilhada. Não dá para achar que vamos arrebentar com determinado setor da economia, porque vamos continuar precisando da indústria de construção civil e a morte de um setor da economia dificilmente será suprida.

ConJur — Pelo que tem sido divulgado,, esse setor especificamente está morrendo.

Igor Tamasauskas — O setor estava funcionando numa base totalmente equivocada. Isso precisa ser superado, mas de uma forma que se consiga punir quem agiu mal, corrigir rumo e indicar um caminho para a saída. Se a
gente ficar trabalhando com a lógica de só matar, o Brasil para. Não podemos ficar só nessa pauta. E a superação dessa pauta passa por esses acordos de leniência.

ConJur — No início da ““lava jato”” o discurso dos executivos das grandes empreiteiras era de que eles foram extorquidos pelo sistema político.

Igor Tamasauskas — Isso não é verdade. A própria operação já mostrou que havia uma combinação entre o sistema político e esse setor econômico. Não dá para dizer que um é só vítima e o outro é só algoz. Maniqueísmo
aqui não funciona, aquela era a lógica do sistema. Se ficamos achando que um é bom e o outro é ruim, nunca vamos sair desse impasse. O Brasil precisa se reconciliar com a moralidade administrativa: a moralidade não pode esmagar o passado que até pouco tempo geria – e ainda gere – algumas relações políticas no Brasil, mas também não podemos deixar que esse passado jogue a moralidade para baixo do tapete e dizer que só vale o voto. Uma coisa precisa se reconciliar com a outra. Não dá para imaginar uma sociedade democrática e representativa em que a moralidade não tenha um papel importante. Os acordos são um mecanismo importante para fazer essa transição, porque todos os atores precisam começar a olhar para o sapato alheio e imaginar como seria calçá-los.

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