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Valor – SP (25/05/2016) Receita quer que dinheiro já gasto fora seja declarado

Receita quer que dinheiro já gasto fora seja declarado

Por Maíra Magro, Luciana Seabra e Maria Cristina Fernandes | De Brasília e São Paulo

Para Ana Cláudia Utumi, saldo de fim de 2014 basta do ponto de vista tributário

Alguns dos mais esperados esclarecimentos da Receita Federal sobre a anistia para dinheiro não declarado no exterior foram feitos enfim, na forma de uma lista de perguntas e respostas, mas não só não agradaram como causaram mais dúvidas. Gerou polêmica a afirmação da Receita de que quem desejar ter os efeitos integrais da anistia deverá declarar, inclusive, ativos não mais existentes em 31 de dezembro de 2014, ou seja, a parte já consumida. A Lei 13.254 permite que contribuintes com dinheiro não declarado no exterior regularizem a situação até 31 de outubro, com recolhimento de 30% em tributos e multa.

Se o contribuinte chegou a ter R$ 1 milhão em conta, por exemplo, e gastou R$ 800 mil, ele deverá declarar R$ 200 mil no saldo de 31 de dezembro de 2014 e mais R$ 800 mil na alínea destinada a ativos não mais existentes. “Veio um posicionamento mais firme sobre a necessidade de pagamento de impostos sobre recursos que já foram gastos, o que, de alguma forma, surpreendeu boa parte dos escritórios”, diz Guilherme Cooke, sócio do Velloza Girotto Advogados.

Em vez de acelerar o processo de adesão, os esclarecimentos da Receita vão retardá-lo na opinião de Alessandro Fonseca, tributarista do Mattos Filho. “Eu ia entregar algumas declarações de clientes na semana que vem, por entender que eram simples, porque havia saldo em conta corrente, e não vou mais. Mudou completamente a premissa”, afirma.

Para Fonseca, a Lei 13.254 já era clara sobre a situação em que há recursos remanescentes. A norma diz, no oitavo parágrafo do artigo quarto que, nesses casos, para aderir, é preciso declarar “o saldo existente em 31 de dezembro de 2014”. Para ele, a dúvida, ainda não respondida, é relativa aos casos em que todo o recurso foi usado antes dessa data. Segue sem explicação, diz, se é preciso reportar o valor no exterior em seu pico ou o saldo mais recente.

A lista atualizada de perguntas e respostas, publicada no site da Receita, inova em relação à lei sendo que deveria se ater a esclarecê-la, considera Fonseca. E, por isso, o entendimento dele até o momento é que segue válida a regra de declarar apenas o saldo em 31 de dezembro e pagar o tributo sobre ele. “Se a Receita se posicionar de forma diferente, vamos ter um contencioso em relação a isso”, afirma.

A especialista em tributos do TozziniFreire Advogados, Ana Cláudia Utumi, entende que do ponto de vista estritamente do acerto de contas com a Receita, segue satisfatório apresentar apenas o valor final do patrimônio. “Se você olhar a lei, nada indica essa interpretação que as autoridades estão dando”, diz. Para ela, ao afirmar, no perguntas e respostas, que deve informar a parte consumida do patrimônio “quem desejar estender integralmente os efeitos da lei aos bens e às condutas a eles relacionadas”, a Receita pode deixar em situação delicada quem ignora o passado do ponto de vista criminal.

Para quem decidir fazer referência ao passado, faltou esclarecer o período em que a tributação retroage no tempo, segundo o advogado Luiz Gustavo Bichara, que assessora pessoas físicas e jurídicas na legalização de recursos. Um dos motivos de dúvidas é que, segundo ele, os bancos estão informando que só podem oferecer extratos referentes aos últimos cinco anos.

Para advogados criminalistas, declarar apenas ativos existentes num período retroativo de cinco anos poderia deixar o contribuinte vulnerável a ações do Ministério Público por crimes como evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Se o dinheiro estiver em nome de “laranjas”, por exemplo, o Ministério Público poderá entender que houve a prática desses dois crimes. No caso da lavagem, a prescrição é de 16 anos. Na evasão, 12 anos. Por isso, o ideal, para penalistas, seria declarar o dinheiro existente em todo esse período.

Para o criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, se o contribuinte tem conhecimento dos valores que tinha no exterior durante esse tempo, é obrigado a declarar. Mesmo se o banco não fornecer extratos, os dados poderiam ser obtidos de outra forma pelos órgãos de investigação, como numa operação de busca e apreensão. Mas se o contribuinte não tem certeza dos valores que teve no passado, uma alternativa seria juntar documentos do banco dizendo que só foi possível obter o extrato referente aos últimos cinco anos, como prova de boa-fé.

Horas antes de a Receita Federal colocar em seu site esclarecimentos sobre a regularização de ativos não declarados no exterior, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) reuniu, sob o comando do seu presidente, Paulo Skaf, com um grupo de 15 tributaristas para discutir a lei. A principal dúvida levantada foi a declaração de bens consumidos antes de 31 de dezembro de 2014, além do pagamento da multa com os recursos a serem regularizados. Ao atualizar a lista de perguntas e respostas, a Receita manteve o entendimento anterior de que é possível usar o próprio dinheiro não declarado fora para pagar a multa, deixando assim em aberto outra das principais dúvidas do mercado. Os bancos, principalmente os de maior porte, esperam um posicionamento do Banco Central para ficar confortáveis com o processo.

Ao fim da reunião na Fiesp, decidiu-se que um novo encontro ocorrerá na terça-feira com um técnico da Receita. Ao fim do encontro, a Fiesp redigirá um documento com sugestões para uma normatização que, sem alterar a lei, a deixe mais clara. A liderança de Paulo Skaf na discussão do tema mobiliza o Palácio do Planalto para que a Receita encontre uma solução de consenso. Skaf foi o empresário mais ativamente envolvido no apoio ao impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff. (Colaborou Alessandra Bellotto)

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