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Livro sobre colaboração premiada lança luzes sobre incertezas

12 de março de 2018, 14h25

Por Antônio Saldanha Palheiro

A colaboração premiada é o novo paradigma do processo penal. Não como instrumento central, ou como estratégia principal de investigações ou defesas, mas como mecanismo que impacta institutos tradicionais e exige reflexões para superar problemas abstratos e práticos que suscita.

A obra Colaboração Premiada, coordenada pela ministra Maria Thereza de Assis Moura e pelo advogado Pierpaolo Cruz Bottini, com ensaios de brilhantes especialistas, joga luzes sobre algumas das incertezas que cercam o assunto.

Na verdade, a colaboração premiada foi criada para superar as dificuldades da polícia e do Ministério Público na coleta de provas e aprimorar a eficiência no combate ao crime organizado. Como esses grupos se utilizam de sofisticados artifícios e estruturas para a ocultação de suas atividades e de seus recursos, acreditou-se que seria necessário dotar o Estado de novas ferramentas para reprimir as suas condutas, a fim de se diminuir a impunidade e se alcançar patamares mais exitosos na conclusão das investigações penais e na elucidação de delitos.

Ocorre que o impacto gerado pela colaboração premiada foi certamente muito superior às suas expectativas. Assim, o que visava à eficiência de investigações concretas acabou influenciando na busca de melhores resultados em todo o sistema processual penal. Não há mais como se negar, portanto, que a colaboração premiada veio para ficar, e que a sua chegada mudou a interpretação mesmo de outras questões já consolidadas pela doutrina e jurisprudência pátrias.

Entretanto, seja pela colaboração premiada ter sido prevista em uma lei promulgada há menos de cinco anos, cuja aplicação certamente tinha como alvo criminosos violentos e perigosos, e não empresários e políticos envolvidos em crimes de colarinho branco, ou pelo fato de os tribunais superiores estarem ainda formando seus entendimentos sobre inúmeros pontos polêmicos do instituto, alguns deles até impossíveis de serem imaginados naquele momento da sua criação, havia uma lacuna na doutrina sobre o tema, mas que agora se preenche, ao menos em parte, com esta obra de leitura imprescindível.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, mas de aguçar a curiosidade do leitor, o livro toca em temas sensíveis e polêmicos do instituto, apresentando os mais diversos pontos de vista a respeito daquilo que, apesar de merecer aprimoramento e melhor regulamentação, se impôs nos últimos anos como um elemento impactante em investigações e processos penais.

A obra tem ainda a vantagem de reunir juristas que não somente pensam o instituto, mas que também atuam na prática em discussões sobre diversos aspectos que o envolvem. Acadêmicos, advogados, membros do MP e juízes, cada qual com a sua distinta experiência na participação de análises, celebrações e mesmo rescisões de acordos, trazem em seus artigos abordagens e angústias próprias daqueles que conhecem profundamente o tema e buscam soluções para distintas e inusitadas situações que não apenas estudaram, como vivenciaram concretamente.

Nesse contexto, o livro tem o escopo de reunir os mais diversos atores jurídicos para uma reflexão conjunta a respeito da colaboração premiada. Vantagens e problemas do instituto são abordados em diversos artigos que compõem um mosaico diante do qual o operador do Direito é levado a refletir e aprimorar seus conhecimentos.

Aliás, como diz um de seus artigos, estamos diante da “prática de um jogo ainda em andamento”, cujo resultado, diante do fomento à maior participação das partes e pela especificidade de cada caso concreto, tem um caráter imprevisível, o que, contudo, nunca foi a finalidade do exercício da nossa jurisdição, baseada, dentre outros conceitos, na segurança jurídica.

Essa aparente falta de controle do instituto precisa, então, ser logo evitada, a fim de que possa conviver de forma harmoniosa e permanente com o Estado de Direito, sem ser um modismo que, em pouco tempo, possa ser superado ou totalmente reformado, de modo a que aquilo que for realizado baseado em sua vigência passe a ser visto no futuro como abusivo.

Nesse ponto, observei no livro uma preocupação justamente em balizar a colaboração premiada. Ao tratar de seus parâmetros de negociação, dos seus benefícios legais, da sua competência, da sua homologação e sindicabilidade, entre outros tópicos, a obra está antenada justamente em estabelecer limites a um instituto que, apesar de importante e de grande influência para o sistema, não pode gerar com que, de uma hora para outra, passemos a copiar ipsis literis modelos internacionais, cujas aplicações decorrem de culturas e experiências bem diversas da brasileira.

Enfim, embora tratar da colaboração premiada seja um desafio, pelo risco de em um futuro breve novas interpretações mudarem opiniões aparentemente seguras e abalizadas, a obra contribui imensamente para evolução incessante desse instituto, que, por visar à ampliação do campo negocial das partes no processo, acaba por garantir a própria democracia.

Antônio Saldanha Palheiro é ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Revista Consultor Jurídico, 12 de março de 2018, 14h25

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