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Definição objetiva das penas

A Lei Anticorrupção entrou em vigor no fim de janeiro e agora as empresas, os agentes públicos e toda a sociedade aguardam com ansiedade o decreto que a regulamentará, para colocar logo em prática alguns avanços da legislação, notadamente os mecanismos de integridade ética das empresas — o sistema de compliance.

É importante que o regulamento estabeleça com clareza o que será exigido dos empresários quanto ao compliance. Em nossa opinião, o regulamento deverá trazer critérios definidos segundo a natureza da atividade empresarial desenvolvida, os órgãos que devem ser criados dentro da companhia, o grau de envolvimento das estruturas societárias com a política de prevenção à corrupção, além de regras claras para a colaboração da pessoa jurídica nas investigações, de modo a se evitar que haja, por um lado, dificuldade nas apurações, e por outro, atropelo dos direitos dos empregados da colaboradora. Se for inspirado na regra norte-americana, o FCPA, como é a própria lei, o decreto levará em conta sistemas que exijam a escrituração integral de todas as despesas, controlando adequadamente cada centavo gasto para evitar a formação de caixa dois e dispêndios inadequados com servidores públicos.

Além do mecanismo de integridade ética, a Lei Anticorrupção exige que seu regulamento estabeleça critérios objetivos para que a proporção da penalidade apontada para cada caso seja coerente com a gravidade e as circunstâncias em que o ato ilícito foi praticado, sobretudo em relação à pena de multa, em razão de poder ser aplicada administrativamente em proporções que correspondam a valores de 0,1% a 20% do faturamento da empresa, ou, se impossível identificá-lo, de R$ 6 mil a R$ 60 milhões. Conferir algum grau de objetividade, principalmente para as autoridades municipais, é um imperativo da regulamentação.

O decreto ainda deverá agir para esclarecer dúvidas em relação ao processo administrativo de punição. Desde a competência para expedir a portaria de instauração e para decidir pela punição, até as regras que devem ser observadas pelas autoridades públicas, todos esses detalhes devem ficar explicitados. Não podemos esquecer que, no processo administrativo, não há diferença física entre o acusador e o julgador, nem garantias a essas autoridades. Por essa razão, quanto mais objetivas as regras processuais administrativas, menor a chance de o tema se arrastar para o Poder Judiciário. Mais eficaz será a punição.

Há ainda que se estabelecer mecanismos exequíveis para a inserção de dados no Cadastro de Empresas Punidas, bem como para a manutenção. Sem um cadastro atualizado e confiável, as punições com base na nova lei podem perder a eficácia, pois empresas punidas em um estado ou município podem continuar a praticar seus ilícitos em outras localidades.

Da mesma forma, é imperativo que se explicitem as regras para desconsideração de personalidade jurídica de empresas a serem criadas para escamotear aquelas que foram punidas, como tem se tornando corriqueiro país afora. Deixar que a autoridade decida se declarará a desconsideração administrativamente, ou se levará o tema ao Judiciário, parece não ser a melhor solução. O ideal seria que o regulamento indicasse o caminho, segundo a natureza da pena aplicada, para evitar que os mais de 5.500 municípios, os 27 estados e o DF, além dos diversos órgãos da União deliberem segundo sua própria interpretação sobre como aplicar essas regras.

Essa legislação veio para mudar culturas no Brasil e a maior prova disso é a preocupação de empresas e entidades em se estruturar adequadamente para cobrar de seus empregados, dirigentes, prepostos e contratados a postura ética esperada pela sociedade. Mesmo antes de sua vigência, o setor privado promoveu inúmeros debates e seminários para compreender o alcance da Lei Anticorrupção, bem como para se preparar da melhor maneira possível para cumprir suas previsões. Aguarda-se que o regulamento em gestação atenda a esses anseios e minimize as dificuldades que certamente decorrerão da aplicação destas novas regras. Nosso país merece isso!

Fonte: Correio Braziliense – DF – (10/02/2014)

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