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As Organizações Sociais (OSs) municipais e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: uma visão prospectiva

A implantação das Organizações Sociais (OS), com previsão inaugural pela Lei Federal n° 9.637/98, trouxe discussões acirradas acerca da legitimidade jurídica e da adequação ao interesse público deste novo modelo de gestão e parceria pública. As dúvidas e profundas divergências geradas no meio social, político e jurídico em razão deste modelo não serão dirimidas ou apaziguadas nas breves linhas a seguir expostas.

O que se pode trazer para o auxílio do debate público é a reflexão sobre este tema tão relevante para atuação do Estado em áreas não exclusivas (saúde pública, cultura). Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) proferiu decisão sobre o modelo das OSs adotado pelo Município de São Carlos (SP).

A Prefeitura de São Carlos, após a promulgação de lei municipal n° 14.060/07, celebrou contrato de gestão (2007) com OS para gerir serviços de unidade hospitalar. A entidade do terceiro setor SAHUDES (Sociedade de Apoio, Humanização e Desenvolvimento dos Serviços de Saúde) assumiu a gestão dessa unidade.

Foram instalados serviços e contratados funcionários, com base na legislação em vigor (Lei Federal n° 8.666/93 e Lei Municipal n° 14.060/07) que autoriza a celebração de contrato de gestão com OS e institui o regime de parceria para o atendimento de serviços de saúde na localidade. Por sua vez, o Ministério Público Estadual moveu ação civil pública por considerar inconstitucional a modelagem de contratação em tela (dispensa licitação), bem como em razão da não observância ao princípio do concurso público.

O TJ/SP (9ª. Câmara de Direito Público) confirmou a sentença de primeira instância e considerou que o sistema adotado por São Carlos se amolda à ordem jurídica.

E aqui reside o ponto de reflexão que nos brinda o interessante julgado da Corte Paulista. Primeiramente, os magistrados admitiram a tese da juridicidade do modelo de OS adotado por São Carlos diante da ausência de processo de licitação na escolha da entidade para a execução dos serviços de saúde. O TJ/SP também considerou possível a não realização de concurso público para a composição do quadro de funcionários da OS.

Qual o raciocínio adotado pelo Judiciário? Por que os Juízes acolheram os argumentos oferecidos pelo Município de São Carlos?

Em primeiro lugar, não se reputou como antijurídica a celebração de contrato de gestão entre a Prefeitura e a OS, SAHUDES, vez que a Administração Pública realizou prévia convocação pública das organizações sociais (Lei Municipal n° 14.060/07, art. 7, § 3°),espécie de processo eletivo público para a escolha de organizações sem fins lucrativos.

Deste modo a Administração adotou medidas condizentes com os princípios da legalidade, da impessoalidade, da publicidade, resguardando assim o interesse público na sua moldura típica marcada pela indisponibilidade. Não se exigiu um processo rígido de licitação, na forma da Lei Federal n° 8.666/93, mas a adoção de processo seletivo formal pautado pela impessoalidade.

Igualmente, a contratação de seus empregados para a execução dos serviços ocorreu dentro do marco de legalidade e constitucionalidade. A OS SAHUDES se submete aos princípios da administração pública, como os da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, o que impõe a contratação de funcionários por meio de processo seletivo. Não há concurso público, nem a adoção de mecanismos informais típicos da iniciativa privada. Exige-se a publicação de edital convocatório e a realização de prova técnica para aferir a capacitação técnica de seus quadros sem privilégios ou discriminações.

O Judiciário não chancelou o entendimento de que deveria a OS realizar concurso público como se administração pública fosse (ADI-MC n° 1.923/DF), basta a adoção de modelo compatível com a sua natureza jurídica, desde que obsequiosa aos princípios adotados pela lei municipal ao modelo de OS (art. 3°, inciso I, Lei Municipal n° 14.060/07 – zelar para a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência).

Neste contexto, a modelagem de OS adotada por São Carlos não se confunde com a fuga ao regime jurídico-administrativo. Trata-se de estrutura de gestão (saúde) apoiada em organização do terceiro setor (certa flexibilidade no desempenho das atividades gerais) e dotada por mecanismos de controle especiais condizentes com os princípios de direito público, como a prévia autorização legislativa e a manifestação pelo Conselho Municipal de Saúde. (art. 7°, § 1° – lei municipal).

Ademais, a OS deverá observar os princípios do SUS (Sistema Único de Saúde), expressos no artigo 198 da Carta Magna e na Lei Federal n° 8.080/90, conforme reza o artigo 7°, parágrafo 2°, da Lei Municipal n° 14.060/07.

Em suma, o TJ não defendeu a priori um único modelo de gestão na área da saúde. Esta decisão cabe aos especialistas e, sobretudo, ao povo de quem emana todo o poder (art. 1°, § único da Constituição). Todavia, o Judiciário nos alerta de que existem peculiaridades que denotam a legitimidade de determinados modelos de organização social, a exemplo do Município de São Carlos.

O Judiciário paulista nos ensina a olhar este instituto em movimento. Deixa como legado o olhar prospectivo, sem o qual não há Direito, nem futuro.

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