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A efetiva reforma do Judiciário brasileiro

Autor: Pierpaolo Bottini
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2005, Legislação & Tributos, p. E6

A reforma constitucional do Poder Judiciário, promulgada no fim de 2004, é um marco importante para estruturar a instituição, regulamentar aspectos fundamentais da carreira de seus integrantes e conferir transparência aos órgãos que o compõem. Os dispositivos aprovados tratam de uma imensa gama de assuntos relacionados à prestação jurisdicional, como a criação do Conselho Nacional de Justiça e alterações de cunho processual e procedimental, como a instituição da súmula vinculante e da repercussão geral como requisito
para a admissibilidade dos recursos extraordinários. As alterações são fundamentais para conferir transparência, acessibilidade e eficiência ao Poder Judiciário, mas não bastam. São apenas um primeiro passo para a construção de um sistema judicial mais racional e próximo à população. A concretização das diretrizes do novo texto constitucional é a próxima etapa, da qual não podemos nos furtar, sob pena de transformar os avanços obtidos em mera retórica. Não adianta assegurar, na Constituição, o direito à celeridade processual se não criarmos instrumentos para, de fato, conferir eficácia à solução de litígios. Outra etapa é e a reforma infraconstitucional, especialmente a alteração das leis processuais. Estão em andamento no Congresso Nacional 15 projetos de lei de autoria do Executivo que alteram substancialmente a legislação processual civil e trabalhista e terão impacto no tempo de solução das lides e na efetivação das decisões judiciais. No entanto, é necessário ir além. A alteração de prazos processuais e a inibição de recursos meramente protelatórios não tocam em um problema crônico o chamado “tempo morto” do processo, aquele período em que o processo não está com o advogado, nem com o juiz, nem com o perito, nem com ninguém. Aquele período em que o processo simplesmente aguarda em uma prateleira a chegada de um ofício, a juntada de um documento ou uma providência burocrática. Aquele período, enfim, que é o responsável por boa parcela da
morosidade da Justiça. O enfrentamento deste problema exige serenidade para não buscar culpados ou objetos de expiação, mas soluções práticas. A informatização oferece instrumentos necessários para enfrentar o tempo morto: agiliza a troca de documentos, racionaliza a gestão dos cartórios e organiza o trabalho e o andamento dos expedientes. Dentre as soluções tecnológicas desenvolvidas para a agilização dos procedimentos, é digna de nota a penhora on line de contas bancárias, implementada pelo Banco Central (Bacen) e disponibilizada aos diversos órgãos do Poder Judiciário. Trata-se da substituição dos ofícios que tramitavam, via postal, do juiz ao Banco Central e deste às instituições financeiras quando da penhora de valores depositados em conta corrente, por comunicações eletrônicas. Por meio desta solução tecnológica, o juiz passou a dispor de um código de acesso ao sistema do Banco Central. Assim, quando decide pela penhora das contas bancárias de um devedor em um processo, a autoridade judicial aciona o programa, que comunica ao Banco Central a ordem. Este, por sua vez, comunica, eletronicamente, às instituições financeiras que, automaticamente, bloqueiam as contas até o valor exigido.

Só em 2004 o Bacen transmitiu 467.033 solicitações on line do Judiciário, reduzindo os prazos da penhora.

O sistema de penhora on line tem dado resultados impressionantes, especialmente na seara trabalhista, evitando fraudes que acompanhavam a morosidade do procedimento e satisfazendo o credor dos débitos de maneira eficaz. Apenas em 2004, foram transmitidas pelo Banco Central 467.033 solicitações on line do Poder Judiciário, reduzindo os prazos para a efetivação da penhora. Necessário frisar que, para tal, não foi necessária nenhuma alteração legislativa, mas apenas o desenvolvimento de novas tecnologias de gestão pelo Banco Central. Ao mesmo tempo, o Detran de Pernambuco desenvolveu, nas mesmas bases, um sistema de penhora on line de veículos. Neste sistema, o juiz se comunica diretamente com o Detran e determina a penhora também por via eletrônica, facilitando e agilizando o procedimento e evitando a evasão de bens. Estas experiências, pelo sucesso e eficácia constatadas, podem e devem ser replicadas e expandidas. A implementação de um sistema de penhora on line nacional, em fase de estudos pelo Departamento Nacional
de Trânsito (Denatran) e pela Secretaria de Reforma do Judiciário, será tão impactante quanto a reforma da legislação processual. Outro projeto viável é a criação de um mecanismo de comunicação entre o Judiciário e os cartórios, também via eletrônica, que permita a identificação de bens imóveis do executado em determinada ação judicial em todo o país. Tal sistema de busca já está sendo desenvolvido em algumas unidades da federação. Os exemplos aventados ilustram que a reforma legislativa do Poder Judiciário é um passo necessário, mas não suficiente para tornar a prestação jurisdicional mais efetiva. A modernização dos sistemas, a utilização da informática e o desenvolvimento de vias de comunicação digital são soluções simples, práticas e eficazes para garantir maior confiabilidade e segurança ao trabalho dos juízes.

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